Jantar a Doiis

(Este post foi publicado originalmente em www.joanabelarmino.zip.net)

 

 

Sentada, sozinha, na minha sala de jantar, comia satisfeita minhas adoráveis rodelas de inhame com peito de frango assado, quando de repente ele veio sem aviso, vestido de distância,e como quem pega ao acaso um pedaço de pão, recomeçou aquela nossa conversa de tanto tempo, conversa banal, na mesa da sala da sua casa, as frases agora adoçadas por uma saudade que não havia antes.

Meu pai adorava peito de frango assado.   Na partilha da galinha de domingo, num gesto mecânico, minha mãe separava a parte dele e ali naquela mesa cheia de gente ávida por molho pardo, cumpria-se o rito sagrado de honra ao senhor do trabalho, a saborear seu naco de carne e a nos contar suas histórias de terras.

Silenciosa, minha mãe deslindava com maestria o dicionário das nossas preferências. Para mim, o fígado, a entre-coxa, e, se possível, uma asinha. A moela era de Manuel e, para todos, a silabaria comum da rega do molho pardo.

No meu prato raso de porcelana clara, cortei e comi devagar as três fatias de peito de frango assado,  rindo com meu pai, escutando o som da sua conversa, sentindo o brilho do seu sorriso, tudo como música de fundo para o meu jantar a dois,  na minha mesa de quatro lugares.

Naqueles poucos minutos quentes, cheios de sons encantados, desenrolamos a nossa vida, desenredamos a cortina das lembranças, pejadas de um vago esquecimento.

Filhos indo embora, filhos casando, a casa ficando maior. E sempre a se cumprir, aquela promessa do peito de frango no almoço de domingo.

Até que um dia… Regamos nossas lágrimas com canja de galinha, numa mesa tão comprida, tão despovoada das suas facas de trinchar.

Fiquei junto do meu pai, e naquela hora não dissemos nada, mas cada um, do seu jeito, acalentou o coração do outro.

Mas eu sabia, meu pai agora tecia já o lençol comprido da sua solidão,  e sequer se importava com a inutilidade do seu tempo, a recolher do mundo todas as suas histórias.

Limpei a boca com o guardanapo de papel, e quase que senti, aquele peteleco divertido que ele me dava na orelha. Sorriu para mim, seu riso orgulhoso de menino antigo e voltou para o seu lugar de bruma, onde sei que é feliz.

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