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Sexta-feira, 2 de dezembro, e, de repente, como uma picada na língua, uma saudade imensa do meu pai. A lembrança mais forte é a dos tempos em que ele era segurança noturno da Concisa. Vigia das suas próprias lembranças, no silêncio das noites, à espreita do que vinha de dentro, uma palavra, o vislumbre de um cavalo, o mugir da sua vaca preferida, na ermidão do sertão.
,Por que não fui eu fazer companhia ao meu pai naquelas noites? Que palavras ele me entregaria, a servir o café, na exígua cabine de segurança? Por certo, em algum momento, ele me fitaria, como tantas vezes o fizera, na bacia de água, à beira da fogueira de São João. Me fitaria à busca de alguma confirmação, puro pretexto para me entregar sua ternura de mãos enredadas nos meus cabelos, o sorriso aberto na boca órfã de sua dentadura, a repousar no copo. Meu pai saborearia minha companhia, e eu a dele, e seríamos essa dupla de seres ao mesmo tempo tão diferentes e tão cúmplices. Intricados comuns de genes, os mesmos genes dele, palpitando em mim senssações de angústia, pensamentos embrulhados em coisas lidas, pensamentos do meu pai, embrulhados em coisas vividas.
Pai! A surpresa dele, a fechar a pressa a garrafa de café. Pai! O susto nos olhos, a se desfazer em alegria, por constatar o riso a estufar minhas bochechas. Pai! Vim para fazer companhia à noite. O espanto do meu pai, o riso do menino de outrora a arranjar as rugas da boca. O trejeito de zanga, a palmada. Ah pai, queria ver como é que o senhor se comporta, todas as noites, o que pensa, o que diz ás estrelas. Queria ver quando o medo vem, e o senhor inventa uma expressão de maldade na sua cara boa. Queria ficar aqui, escutando o vento, na sua companhia, e o som dos cachorros, entre a nossa conversa baixa. Queria ficar pai.