A Última Rotativa

Nunca pensei que houvesse trilha sonora para uma coluna, e que ela fosse tão adequada. Enquanto escrevo, escuto a “Estação Jazz e tal” do blog do Noblat, ao mesmo tempo em que contemplo os assuntos do dia, esparramados em minha memória, como numa espécie de cardápio.

“Tudo o que é Sólido se Desmancha no Ar”, de Marshall Berman, foi o meu livro de cabeceira do fim de semana. Mas li outras coisas, outras coisas que curiosamente se entrelaçam com a instigante leitura dos anos oitenta, tão atual nos dias que correm.

O segundo tema trata pois acerca das primeiras prisões do julgamento mais publicizado da história recente. Na esteira do episódio, a mídia convencional nos entrega os detalhes mais superficiais. A hora em que cada um foi preso, a fala editada de algum ministro, os gritos e felicitações de manifestantes, festejando as prisões.

Graças aos colunistas, aos formadores de opinião, encontramos algum contraditório. “O maior julgamento da história”, conforme gosta de apregoar a grande mídia, baseado na teoria do “Domínio do Fato”, cria uma insegurança jurídica monumental, no caso por exemplo, da condenação do ex-ministro José Dirceu, admite o jurista Ives Gandra Martins à Folha de São Paulo, acrescentando que ele foi condenado sem provas.

Luís Fernando Veríssimo, no Blog do Noblat, admite que a história ainda nos há de mostrar “injustiças” e “absurdos” cometidos nesse julgamento.

Eu penso sobretudo na cobertura midiática. O Brasil é, aliás, o único país onde os julgamentos da Suprema corte são transmitidos ao vivo, em cadeias públicas e comerciais de tv.

E me vem à memória uma outra leitura de fim de semana, da redação do jornal “O Público”, tratando do fim dos jornais impressos. A pergunta central do artigo de Simone Duarte é: “Como leremos as notícias em 2041”?

Ela parte de uma previsão feita pelo futurista australiano Ross Dawson, que estima o fim dos jornais impressos para 2041 e até inventou um mapa para o fim do impresso em cada país.

Dawson constata a migração de leitores de impressos para a web  e acredita, como outros pesquisadores, que cada leitor individual terá um modelo de consumo de notícia.

A pergunta que se me impõe, inspirada por essas leituras, é: Quando a última rotativa se calar, quando o último jornal impresso for enviado por baixo da porta de um leitor,  os jornalistas terão tempo de desviar o olhar da sua tela para pensar no que a imprensa do mundo deve aos leitores de agora? Pequenos pedaços de informação, apertados por entre os anúncios publicitários, dizendo-nos todos os dias, que o jornalismo e a democracia, o jornalismo e a cidadania, caminham irremediavelmente por linhas paralelas que nunca se encontram. Quando a última rotativa se calar, talvez se possa escutar o pesado silêncio em torno do jornalismo, talvez se veja o jornalista assombrado pelo fantasma do leitor para quem ele nunca escreveu.

2 thoughts on “A Última Rotativa

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