Jornalismo de Formigas?

Brinco as vezes com meus alunos de Teorias do Jornalismo, dizendo que as formigas também fazem notícias. O noticiário do formigueiro é seletivo, econômico, provavelmente não chegue a contar com um dicioformigário com dez signos completos: toque de antenas, danças, tudo sendo registrado pela fina linha dos feromônios, espécie de telégrafo orgânico a regurgitar informações.

Nos dias que correm, entretanto, nosso jornalismo não é muito diferente. Temos um planeta todo servido por redes de informação, uma quantidade incalculável de jornais, emissoras de rádio, redes de tv, cabos ligando oceanos, satélites distribuindo informações.

As notícias que fazemos porém, são pequenos pedaços de informação, poucas palavras agrupadas, algumas imagens destacadas, circulando como uma espécie de mantra nervoso, frenético, estranhamente divorciado da teia dos acontecimentos reais.

Observemos por exemplo a cobertura da morte do cinegrafista Santiago Andrade, nos últimos protestos do Rio de Janeiro. O noticiário passou cerca de três dias martelando um pequeno pedaço de informação. O nome do agressor? Quem detonou o rojão? Quem entregou a quem? O nome! O nome! Bradavam microfones, bradavam manchetes, bradavam repórteres de rádio.

Não sei se aprendemos com as formigas, mas, no planeta midiático, também observamos o que a mídia vizinha faz, que notícias cobre e fazemos tudo exatamente igual. Há cerca de dois séculos, a mídia cobre exatamente as mesmas coisas: economia, política, celebridades, futilidades, catástrofes, violência.

Ouso dizer que o jornalismo formigal ainda é melhor que o nosso. Orientação no tempo e no espaço, vigilância, harmonização do tecido social, essas três funções identificadas pela escola funcionalista para a comunicação social são plenamente cumpridas pelo noticiário das formigas.

O nosso noticiário porém, se ganha em qualidade técnica, em quantidade de informações produzidas, distribuídas, replicadas, perde em pluralidade de mensagens.

Como se vivêssemos num grande formigueiro midiatizado, com milhões de possibilidades de escolha de informações, transformamos nosso noticiário em uma espécie de compacto, rodando em todas as emissoras, com o mesmo pedaço de informação.

O mundo editado pela grande logosfera midiática, é uma pequena casa organizada, com seus fatos mesmos de todos os dias, seus crimes, suas tragédias, pequenos pedaços de informação arrancados de uma realidade que é em si mesma muito diferente: complexa, multifacética, estranhamente divorciada da realidade midiática.

O jornalismo, essa espécie de “lanterna nervosa” pensada por Lippmann nos anos vinte do século passado, ilumina cada vez menos lugares nesta vasta casa que é a realidade.

 

(Esta coluna saiu no impresso #JornalAunião, hoje, página de opinião)

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