As cidades são vivas. As cidades são vivas porque existem pessoas vivendo nelas. Uma rua não é apenas uma comprida linha de asfalto, margeada por prédios, terrenos baldios e árvores antigas. Uma rua é a própria rotina das pessoas que vivem nela, em suas casas, servidas por pequenos ou grandes jardins, ou mesmo por árvores de sombra, plantadas à frente ou nas laterais do portão.
Não, não se iluda. Uma rua não é o resultado desse trabalho de concreto, ferro e cimento, com sua capa de asfalto escuro. Uma rua é sobretudo os hábitos das pessoas que vivem nela, que dispõem suas coisas, suas árvores, seu modo de caminhar, suas vestimentas, suas sacolas de compras, seus carros, suas bicicletas, seus tênis de marca, suas sandálias, muitas sandálias.
Uma rua, como se fora um imenso obituário branco, alimenta-se de pequenas mortes: Da velha árvore centenária, do pequeno inseto esmagado, da aposentada do terceiro andar do prédio de esquina, do pequeno fiteiro que já não está no lugar de ontem, da livraria fechada, do menino de rua ferido por uma bala perdida.
E eis que de repente regurgita de vida, a rua, com gente nova que chega, lojas novas que se abrem, um jeito novo que o entregador de jornais inventou para o seu penteado moicano.
Não, uma rua não se faz com notícias da mídia. Uma rua se inventa toda hora, e a cada invenção, são incontáveis as notícias de rua que não se publicam.
As ruas se intercomunicam. Uma rua sabe logo a notícia de outra rua. E, como numa espécie de onda, algumas vezes, ruas e ruas repetem o modo de ser começado em uma pequena viela, em uma grande avenida, em uma rua de periferia.
Minha rua está hoje verde e amarela. Caminhei, caminhei, e, soube que a todos surpreendeu a mesma ideia, o mesmo modo de vestir-se, sem alarido, sem correria, quase que silenciosamente, uma onda verde e amarela tomou conta das calçadas, do caminho apressado de homens e mulheres, da travessa alegria infantil.
Palmilhei outras ruas, visitei pequenas vielas sem importância, cruzei a longa avenida que acolhe o tráfego entre a praia e o centro da cidade. Todas as ruas vestiram-se hoje de verde e amarelo, como se formássemos todos um grande time de futebol, espalhado pela cidade, inventando a geografia de um país inteiro vestido assim, de verde e amarelo.