A Morte na Política

Tinha prometido a mim mesma que não falaria, nesta minha coluna, acerca dos últimos episódios que juntaram a política e a morte, numa tragédia que tirou de cena, o candidato à presidência do país, eduardo Campos. Prometi que não ia me deixar envolver pelo que eu chamo de “síndrome das explicações”, essa estratégia que hoje acomete não somente aos jornalistas, mas a qualquer pessoa que disponha de um acesso à internet, um dispositivo e uma cena a ser comentada.

Pronto, estou eu aqui convertida num cibermortal comum, trazendo minhas próprias impressões acerca da “cerimônia do Adeus” a Eduardo Campos, um fenômeno que agregou num mesmo cenário, a dor e a consternação do povo pernambucano, o canto e a arte como expressões dessa dor, e, no centro de tudo, as artes e as encenações da política.

A política, na atualidade, é a grande esfera da visibilidade dos temas da cultura. A morte, esse imponderável, logo é reabsorvida no âmago do cenário político. A política apropria-se da morte e rearticula-se, apossando-se, ao modo de uma vestimenta, dos cenários da dor, dos gritos e cânticos, das disposições dos corpos vivos, das legendas e frases de efeito, do núcleo familiar habitado pelo morto.

Foi tudo muito rápido. A morte, esse imponderável, e, entre o luto e a dor, encenadas como espetáculo midiático, compostos e recompostos nas redes sociais, reconstruiu-se a política. A febre dessa reconstrução esquentou novos spots de campanhas, slogans impressos em camisetas, adesivos, santinhos e flies.

A mídia, como dispositivo técnico e como lugar de mediação simbólica do acontecimento, tem a prerrogativa de reorganizar essa narrativa, de dispor os corpos em seus novos lugares, de fotografá-los, editar suas falas, convencer os outros, recapear esse novo lugar, ainda com os cheiros da nova construção.

O que me assusta, é o fato mesmo que levou o professor e jornalista Juremir Machado a escrever sua coluna sobre o tema, no Portal Correio do Povo de ontem, sob o título “Marina, Mona Lisa e as Tonalidades do Novo”. Faço coro com Juremir ao perguntar: Essa pressa, essa agilidade para a nova composição do cenário político, tecida ainda sob a égide da dor, estará apresentando-nos uma fatura eleitoral da tragédia?

Não, não quero explorar o acontecimento pela via dos ancoras do Jornal Nacional, pela via dos comentadores políticos do rádio, da tevê e dos jornais. Não quero fazer a pergunta insólita, sobre a quem beneficia o novo cenário político marcado pelo desaparecimento de Eduardo Campos. Não quero supor nesses gestos e sorrisos, nesses punhos cerrados, nessas frases repetidas, o cheiro do oportunismo inescrupuloso que tantas vezes infesta a política.

A interrupção brusca e surpreendente, a golpes de tragédia, da carreira política de Eduardo Campos, levando com ele mais seis vítimas fatais, abre um vazio profundo no solo da cultura política, pede que se suspendam a agitação, as explicações tolas, os comentários banais, os arranjos de última hora.

A tragédia pede silêncio, pede reflexão, acerca da quase orfandade de líderes a que está submetido o povo brasileiro, a tragédia convoca-nos a pensar o quanto estamos longe de uma verdadeira emancipação de cada indivíduo, em favor de um projeto de Brasil cidadão em que cada um possa usar com competência, o estatuto da sua própria autoadvocacia.

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