O Natal Chegou

O natal chegou, e veio rápido, tão rápido que sequer deu tempo da gente se desembaraçar das lembranças do natal passado, do ano passado, e, pasmem, esse ano já é passado também.

O natal chegou, feito um caminhão enfeitado, atrelado dos seus presentes, dos seus slogans, dos seus enfeites, das suas ruas atochadas de gente, correndo de lá pra cá, calculando, comprando, empacotando, esse frenesi de natal que ora nos alegra, ora nos coloca a roer as unhas, com uma saudade esquisita de não se sabe o que.

Eu as vezes fujo dessa correria. Abro de par em par as portas do meu refúgio, escondo-me por trás de alguma quilha de silêncio e palpo as lembranças de natais antigos, natais onde a palavra natal estava envolta numa zona de magia e mistério, enfeitada por uma espécie de teia rendada das nossas crenças infantis, tão vagas e tão doces.

Corro em busca dos natais da minha infância, natais onde não havia presentes, nem ceias grandiosas, nem missa do galo, nem presépios.

Quatro, cinco, seis anos, nossos natais eram cheios de sonhos de infância. Acreditávamos em papai Noel, e, perto da janela da sala, enfileirávamos nossas pequenas chinelas, pensando: “E se o velhinho se atrapalhar? E se ele colocar o presente do meu irmão na minha sandália?

Tagarelices e risadas regavam nossas noites de natal, e prometíamos aguardar a chegada de papai Noel, mas, quem vinha mesmo era o sono, apagando as cortinas da nossa mente, fazendo-nos mergulhar na doçura de sermos pequenos, confiantes, envoltos nos nossos sonhos de natal.

O dia 25 de dezembro chegava como todos os outros, com o sol nascido, aquecendo as pedras, bebendo as gotas de orvalho do mato rasteiro, a passarada saudando a manhã, acordando as casas, a meninada esperando a sua primeira caneca de leite.

Silenciosamente, cada irmão recolhia a sua sandália, e, ao constatar que a mesma estava vazia, ninguém chorava ou batia o pé. No coração, o conforto dos risos e dos sonhos da noite era como um lençol morno, feito todo da ternura de ser criança.

O natal chegou, tão depressa, e não houve tempo sequer para planejar a ceia, comprar todos os presentes, enviar todos os cartões. Chegou e partirá, tão depressa quanto os seus slogans, seus papais Noéis, gordos, vermelhos de riso, desenfastiando as crianças, deixando se fotografar com elas, enquanto o tempo se esvai, implacavelmente rápido.

Em todos os natais, em algum momento da azáfama do dia, fujo para esse meu lugar íntimo, para revisitar aqueles natais. Quase posso tocar na minha chinela infantil, ao pé da janela, ainda fresca da brisa suave da madrugada. Recordo meu próprio riso, e de repente me acode uma leve mágoa, uma tristeza que parece vir de dentro. E logo sei, essa mágoa, essa pequena pontada de tristeza, não vem da infância, mas dos dias que correm.

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