A Pauta da Água e o seu Tardio Valor de Noticiabilidade

 

 

O jornalismo moderno alimenta-se do presente. E, desse presente, destaca os fatos que pulsam com mais veemência. Se quisermos, os fatos que gritam, que sangram, os fatos que ficam bem nas telas, nas manchetes, os fatos que fisgam o leitor, como se possuíssem uma espécie de cola super bonder, ainda que momentânea.

Nessa busca pelo fato que sangra, nessa faina de criar fatos que gritam, o jornalismo moderno, muitas vezes passa ao largo de muitos fatos genuinamente noticiáveis, fatos que deveriam estar senão na pauta diária, quiçá na pauta da semana, do mês, quem sabe no jornal de domingo.

Foi assim com a pauta da água na região sudeste. Somente agora, quando as represas secaram, quando se pode ver o leito do rio, com suas quinquilharias herdadas do consumo urbano, foi somente agora que a crise hídrica ganhou valor de noticiabilidade e conquistou os seus mais de cinco minutos nos telejornais da mídia comercial e nas matérias de capa dos principais impressos do país.

Há uma corrida frenética nas redações jornalísticas, para que se conheça a extensão da crise. Perplexos, repórteres vasculham gavetas cibernéticas, à busca dos alertas, das ressalvas, dos documentos técnico-científicos forjados nas universidades. Constatam alarmados que a crise vinha se anunciando em sua fase mais premente, desde os primeiros anos da década dos noventa.

Estampam o fato com a veemência que ele merece. As imagens são primorosas. A mágoa dos agora sem água ressoa no seu melhor timbre de tristeza nos microfones da Globo.

Nos grandes conglomerados urbanos, a crise da água já é uma realidade, mas, não se pode dizer que a culpa é das estrelas, ou da natureza, ou do bombardeamento de cometas. A crise da água tem um conceito cristalino: Falta de gestão, falta de planejamento, foco excessivo nas artimanhas das disputas e nenhum olhar para a natureza, o ambiente e os sistemas de captação.

O jornalismo, essa espécie de “lâmpada nervosa”, como pensara Lippmann na segunda década do século XX,ocupado em flagrar um presente editado, focado nas artimanhas da política, esqueceu de iluminar o fundo das represas, esqueceu de acompanhar os rastros da seca, anunciada em cidades de cimento, ferro e concreto, esmagadas pela expansão imobiliária e seus lucros. A água acabou, ou por outra, os dutos da sua captação estão deslocados, enferrujados. O dedo da política atalhou o planejamento, e, agora, ainda não temos a técnica para bombardear cometas e fazer chover nos lugares certos.

A lição é de aprendizado. De convivência com a precisão e o carecimento. Que a lâmpada nervosa do jornalismo possa iluminar esse novo caminho, focando-se nesse presente árido.

 

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.