às vezes você vê a sua cidade pelo olhar do outro, o que chega de fora, e se instala aqui como se já tivesse pisado a terra, passeado pelas ruas, esperado em algum umbral, para perguntar sobre onde fica tal rua, o nome de uma flor..
Bernadette Lyra, capixaba, professora de cinema, escritora, chegou em João Pessoa no dia 31 de março, e, ao tocar o solo paraibano, as cordas íntimas da sua genética tocaram com força o seu coração, e como que lhe entregaram o lençol branco e cheiroso da sua avó Amélia, como que lhe abriram de par em par as portadas da terra e lhe disseram, Aqui nasceu sua avó, aqui é também a sua casa.
Foi ver o mar, e, tomou conta de si, a alegria de inventariar a mornidão das águas, e conheceu os ditos da brisa, enfiando seus segredos nas palhas dos coqueiros.
Fotografou sacralidades, tecidas em azulejos antigos, na Igreja de São Francisco. Na casa da Pólvora, viu a faixa do rio Paraíba, marejar nos seus olhos, diques de uma emoção intensa, rompendo-se em mais alegria genuína.
E por toda a cidade, como a lhe dizer bom dia, como a lhe puxar pela mão, como a lhe chamar, dos recantos mais improváveis, Bernadette Lyra viu aquele pequeno cálice branco, nos jardins, nas cercas verdes, na praia, nas entradas dos restaurantes, por entre os gramados da faculdade.
Queria saber o nome da flor, encantada pela sua brancura, admirada pela força da sua presença, impondo-se como delicada notícia sem nome, como cálida saudação, nessa cidade cuja vocação é florescer, entre o mar e o rio.
Seria copo-de-leite? Seria jasmim? Lírio branco? Nos umbrais, esperou pelo nome da flor, mas ninguém sabia. Nos restaurantes, garçons apressados deram-lhe o de sempre, “não sei, senhora”.
Viajou com a promessa de que eu lhe enviaria por sms o nome da flor.
No dia seguinte, intrigada, toquei o cálice da flor, contei suas cinco pétalas macias, aspirei o perfume tão suave que ela tem, de seiva amanhecida, de primavera, tão fugaz, que pode passar despercebido entre os bafos do trânsito da cidade. Retomei a faina de indagar, nos umbrais, nas portadas, nos restaurantes.
Ninguém sabe o nome dessa flor branca, de uma alvura tão intensa que chega a doer nos olhos, nascida de um arbusto vulgar, e que tocou a alma de Bernadette,aguçou sua curiosidade, seguiu-a por toda João Pessoa, como uma espécie de telegrama aberto, e, em alguma medida, indecifrável.
Só damos nomes às coisas que vemos, as coisas que se apossam de nós, e nos invadem com sua presença. Como essa flor branca, florescendo por toda João Pessoa, da qual ninguém sabe o nome.
Por isso decidi chamá-la, a flor de Lyra. A flor de Lyra, esse pequeno poema branco, com suas cinco sílabas, ecoando por todo lado dessa cidade.
(este post será publicado amanhã, em minha coluna impressa do Jornal A União)