Vou lhes confessar uma coisa. A morte sempre me comove, seja ela de quem for, e ontem, lendo mais um dos magistrais artigos de Eliane Brun sobre a morte, encontrei a explicação para essa minha íntima comoção. Com a morte dos outros, ilumina-se em nós, a certeza de que também iremos, de que num dia qualquer, “deixaremos de estar”, como tão sabiamente apontou a jornalista.
A morte como que ilumina em nós uma canção de tristeza, que pode ser longa ou curta, dependendo da pessoa que se foi e do lugar que ela ocupava em nossas vidas.
No final de semana, intimamente, compus pequenas canções curtas, íntimas comoções, quem sabe forjadas por um simples “ai”, por causa dos imigrantes mortos em barcos, ou asfixiados em caminhões de carga, tentando num último esforço desesperado, encontrarem e agarrarem um naco de mundo onde pudessem viver melhor.
No domingo porém, compus uma canção íntima e longa, para a perda do grande neurologista Oliver Sacks, que despediu-se do mundo dos vivos, vitimado por um câncer.
Conhecia o pesquisador por conta da sua produção científica. Com sua narrativa magistral, ele legou ao mundo dos leigos, histórias sobre doenças raras, como aquela em que um homem confundiu a sua mulher com um chapéu, e candidamente, assassinou-a.
Consternada pela perda do pesquisador, fui buscar algumas das palavras que ele havia dito no auge da sua vida, e que agora ganhavam força nova, face à realidade da morte.
Na obra sobre o título “Sempre em Movimento: Uma Vida”, Sacks narra de forma desapiedada e corajosa, os episódios cruciais dos seus oitenta e dois anos. Dá ao leitor, uma fotografia ao mesmo tempo constrangedora e grandiosa de si próprio.
Suspeitaria o leitor de que o escritor de obras como “O Homem que Confundiu sua Mulher com Um Chapéu”, “Vendo Vozes”, “Um Antropólogo em Marte”, entre tantas outras, foi um contumaz usuário de anfetaminas e outras drogas na juventude? Imaginaria que muitos dos achados científicos tão difundidos, resultaram de idas e vindas, erros e fracassos retumbantes, e até mesmo de descuidos e irresponsabilidades?
Saks não nos poupa de nada. A sua biografia entretanto, é além de tudo, um belo tratado sobre as emoções humanas, sobre fracassos e vitórias, sobre o tema da homossexualidade e o incômodo que isso criou no seio da sua família na Inglaterra dos anos 50 do século XX.
Saímos da leitura da sua obra, amando ainda mais aquele que só conhecíamos como um divulgador de ciências. Amando suas fragilidades e a força que tinha, tanto a física quanto a espiritual. Amando sobretudo, um homem que soube despedir-se dos outros, antes de morrer, deixando-lhes o legado da coragem, da persistência, da ousadia, deixando-lhes a mensagem de que a vida, é mesmo movimento, sempre.