Somente esta semana, por conta da divulgação do show, parei para escutar o novo cd de Chico César, lançado em junho último.
A gente já não compra discos como antigamente. Pode ir descarregando as músicas aos poucos, e, se o disco não nos agradar de todo, a gente só fica com as músicas boas.
O cd de Chico César é todo bom. Você descarrega as catorze músicas e fica querendo mais.
Ele voltou em estado de poesia, mas não só. Voltou com arte, com graça, com humor, e com um repertório de travessuras musicais deliciosas. Os arranjos são outro show à parte, os ritmos variados, mas há aqui um pedaço grande da nossa pátria, o nordeste brasileiro.
A música “Caracajus” tem poesia, numa letra que revela a calma e a paciência do cantor, quando está compondo. Tem harmonia bela, um ritmo de cantiga, tem a força da invenção no bordão, “caracajus, caracajus”, “cantos de receber e dar”, diz o artista.
Então há que se reconhecer o que Chico já fazia desde o primeiro disco. Não é somente música, nem poesia. Chico escreve crônicas, diz amenidades enroupadas em belas sonoridades, faz jornalismo, com nacos de notícias cantadas.
Mas o que temos entre ouvidos, é uma longa crônica urbana, entremeada pelos cheiros das frutas tropicais, e os ecos do sertão, suas sonoridades, suas sanfonas e violas.
A cada música, é como abrir uma página desse livro de crônicas, para se experimentar uma trajetória que parece, está num dos seus melhores momentos de “língua solta”, do “verbo encarnado”, “das almas atentas, antenas entre si, entrelaçadas”., como ele mesmo canta na música Museu, repetindo até o deliciamento, “do somos, do som, do eco”.
O rumor, a alegria, a canção poético-romântica, sempre fizeram parte dos discos de Chico César, que deu ao seu público, “Cuscuz Cla”,” BELEZA MANO”, “MAMA MUNDI”, “AMÍDALAS”, “RESPEITEM MEUS CABELOS, BRANCOS”, e ainda outros.
Em “Estado de Poesia”, ele veio com uma sandália, “daquela de brasileiro, chinela que no chão pisa e faz um chiado ligeiro”. Vestiu-se com uma camisa, “feita de brisa”.
O cd é assim, leve, como se fora feito de brisa, mas não se iludam. Na décima terceira canção, o poeta aponta sua língua afiada para os agropecuaristas, os industriais da alimentação e do escândalo que é, o uso dos agrotóxicos no Brasil.
O compositor de “Mama África” é ele mesmo, tão jovem e aqui, tão paciente, em estado de poesia absoluta, na arte de compor e cantar. O novo cd é mesmo um presente para os vivos, uma colheita da fruta madura, com seu timbre de melado e laranja temporã, tão boa, tão boa…
(este post será publicado amanhã, em minha coluna impressa do Jornal A União)