Eu tinha um carneiro. Ele não estava preso numa caixa, como o do Pequeno Príncipe, mas vivia feliz, correndo pelos pastos, subindo as encostas, bebendo a água fresca da chuva guardada nos tanques de pedra.
Meu carneiro cresceu, e um dia meu pai decidiu transformá-lo no nosso ensopado de almoço.
Menina pequena, nos meus seis anos, só entendi a gravidade daquilo quando vi o carneiro preso ao mastro e escutei seus balidos desesperados.
Naquela hora, com uma dor intensa no coração, compreendi que eu nada poderia fazer. Escutei a primeira pancada desferida contra sua tenra cabeça, escutei seu grito de desespero e corri dali. E entre soluços, disse a mim mesma que eu não comeria naquele dia, que não provaria um pedaço sequer da carne do meu carneiro.
Na hora do almoço, promessa completamente esquecida, provei deliciada um pedaço daquela carne tenra e perfumada, quando meu irmão mais velho me lembrou o gosto da tragédia.
– Então, que gosto tem o teu carneiro?
Larguei a colher a meio, entre a boca e o prato, pensei um pouco, e, rendida ao cheiro delicioso, comi cada pedaço daquela carne.
Nos últimos tempos tenho pensado naquele episódio, na dor que senti, e na relação tão frágil com aquele animal, que meu pai dizia que era meu, relação que só teve seu ápice quando já não havia mais carneiro, senão um pouco de ensopado no meu prato de menina pequena.
Cinquenta anos separada daquele episódio infantil, e, há pouco mais de dois meses aderi ao veganismo. Foi uma decisão tomada sem pensar muito, sem planejamento, mas, na primeira semana, já sentia os benefícios de ser vegana. Eu tinha recuperado o prazer de comer, que havia perdido já na infância, mas depois eu conto como isso aconteceu, e, acreditem, não foi por causa do meu carneiro.
Pois bem, na primeira semana, eu havia recuperado o prazer de comer, e mais, estava gostando de preparar minha própria refeição.
No primeiro mês eu já me sentia mais leve, mais disposta, e, se mantinha a alegria da preparação e da degustação.
Há algo de revolucionário no ser vegano. Em alguma medida, você desaparafusa uma maquinaria de escolhas erradas, de rotinas erradas, uma maquinaria que vai aos poucos destruindo o planeta, agravando os problemas hídricos, climáticos, de saúde, tanto da terra quanto de você próprio.
Há algo de criativo também. O não comer carne e derivados te obriga a conhecer um mundo vegetal que estava completamente ausente das suas refeições. O meu dicionário de sabores já cresceu tanto nesses dois meses, que essa primeira crônica sobre isso, é uma homenagem ao meu carneiro, e ainda um tímido pedido de desculpa, embrulhado em ramos verdes de saudade e de compaixão.