Sim, não há dúvidas de que caímos no planeta do divertimento perpétuo, e tudo pode ter começado há muito tempo, depois do progresso haver rasgado a terra e os mares para conectar o mundo através dos cabos, depois de os continentes haverem sido fatiados, no século XIX, em zonas de cobertura informativa, depois de havermos inventado o lead, essa pequena pílula informativa apta a capturar um leitor apressado, de espírito fugidio, sofrendo dessa síndrome do consumo rápido, e sempre a pedir mais e mais, nesse fast-food noticioso.
Eça de Queiroz falou desse sintoma nascente, flagrou essa doença dos primórdios do século XX, dessa satisfação em se poder, por dentro desse coleante amálgama de fios e cabos, palpar o mundo, subtrair suas distâncias, comprimir em pequenas pílulas de informação, o saber sobre as coisas.
Evoluímos tecnicamente, suprimimos os cabos, miniaturizamos as telas, e, aumentou a nossa fome por informação, proporcionalmente à capacidade da matéria prima ofertada, numa espécie de gigantesco banquete da notícia rápida, sobre tudo e qualquer coisa.
Gulosamente insatisfeitos, presas de um íntimo divertimento, deglutimos de tudo: A fofoca, o jogo, a tecnologia, a guerra, as mortes por gás sarin, o incêndio no campo de concentração francês, as duras horas dos refugiados comprimidas em pequenos bits informativos, a prisão do criminoso de colarinho branco, a bala perdida, a criança encontrada na lata de lixo, a dor da menina de vinte anos, a sua culpa, desvelando a culpa ancestral da mulher submetida, essa culpa exibida na tevê, sem anteparos, com a clareza das imagens digitais e a terrível cobertura do embrutecimento.
Você poderá pular o anúncio, esse breve atalho que pode levá-lo ao reinado do consumo, ali onde você também se diverte. Você pode pular o anúncio e voltará a experimentar essa satisfação íntima pelos pacotes de estórias ofertadas. A briga entre Trump e Putin, a refrega da lava jato, o embate entre os chavistas e a oposição venezuelana, a chuva de desaforos grotescos de Bolssonaro. A usurpação do poder de uma presidenta eleita, o embate entre sindicalistas e as reformas do governo Temer.
É como se nunca houvéssemos saído da caverna platônica, mas, as sombras que se nos apresentam são coloridas, fartas, há som da melhor qualidade para alargar cada vez mais o nosso sorriso nesse planeta do divertimento perpétuo.
E como sorriem os nossos jornalistas! Diante das câmeras e fora delas, e ainda aproveitam o seu sorriso para uma vinheta. Nossos jornalistas também habitam o mundo do perpétuo divertimento. Retalham os fatos, extraem o que há de mais superficial, para que nada atrapalhe a bela orgia diversional. São bons nisso, os nossos jornalistas. São bons em sorrir, sorrir até a última gota, são bons em esticar a corda, o cabo de guerra, na infância triste do nosso mundo desenvolvido.
E não, não há somente a caverna platônica. O mundo está todo dividido em cavernas, devidamente iluminadas, servidas por câmeras, drones, microfones de todo tipo. Sitiados, envoltos em nossas trincheiras, atiramos pílulas de informação uns nos outros, distribuindo curtidas, reações diversas, frouxos de riso, com a tragédia e o futebol, tudo servindo ao repasto do divertimento perpétuo.