Querido Pai. Te lembra quando nasceu a tua chará, Mariana? Ela agora me entregou um xará, João. Ele ainda saiu pouco da concha do sono, mas trouxe exigências. Nada de fraldas tamanho p, nem berço pequeno. João é tecido de uma matéria que juntou delicadeza e peso, tudo em proporções equilibradas, espantosamente belas, como se fora trabalho de desig de qualidade superior.
João só pensa em dormir, mas, por entre as frestas do sono, com um jeito de premir os lábios, informa a todos que aquelas roupas pequenas podem ser repartidas com outras crianças, só quer as mantas, o ursinho da tia Dinha, as fraldas de boca feitas pela mãe, no tempo da espera.
João chegou na hora que eu mais gosto. Quando já se fez noitinha, quando as flores do copo-de-leite e espada de São Jorge começam a exalar seu perfume doce, quando nas casas se serve uma janta leve e os meninos maiores sentam-se no sofá, proprietários dos seus controles e dos tablets.
João chegou naquela hora em que eu sempre desejo pintar um quadro, com uma paleta de cores suaves, onde haja quilhas de silêncios, algum desenho sobre a calma da noite que se prepara, uma brisa leve agitando as plantas das jardineiras.
João é lindo mãe. Tia Lu, como você gostaria de tê-lo no colo! E um recadinho para o mano João: O tempo deu a corda no relógio das horas, os dias fizeram-se anos, e agora a família tem novamente um menino João, a ocupar de novo o planeta, na mesma família, a encher até ao transbordamento, nossos corações de ternura.
Mãe, pai, João, Raimundo. O mundo em que João chegou já não é o mesmo de vocês. Eu agora lhes escrevo via computador, servido por uma banda larga. As pessoas ficam caladas, enquanto mandam mensagens pelo whatsapp. Há toda sorte de panelas elétricas mãe, e Lu, você gostaria das novas caixas de som, pequenas e pesadas em sonoridade.
O mundo em que João viverá, é mesmo muito diferente do mundo onde vocês viveram. Mas acreditem, no mundo de João, há todos os rastros do que vocês nos deixaram: Gentileza, amizade, amor pelos filhos, coragem de lutar por uma causa.
A tua xará, pai, se é que isso possa ser possível, ficou muito mais bonita sendo mãe, os olhos entregues aos olhos de João, a lembrar minha própria mãe, em gesto de devoção, quando rezava para o menino Jesus.
E eu, que sou avó pela segunda vez, vivo o milagre de amar até não mais poder, minha Gabriela e meu João. João está dormindo. Não se interessou ainda por esse mundo velho, a renovar-se todos os dias, em façanhas cruéis, ou em extremos de alegria. João é a nota suave da minha alegria desmedida, a percutir todas as cordas do meu coração. João, eu sei, é o arranjo desse mistério que juntou meu pai e minha mãe, esse mistério que teceu nossa família, e que, inventou o tempo de estarmos eu e Lau, a inventar a família nova onde João veio viver.
Pai, mãe, Lu, Raimundo, João… Venham devagar, vamos abraçar juntos o nosso menino.
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