Voltar para trás, correr de forma acelerada, saltando obstáculos, construindo algum lugar de equilíbrio, exige aprendizado, treino, exige elaboraro avesso de uma narrativa, aos sopapos, às arrecuas, entre respirações apressadas e risos nervosos.
Voltar para trás, recuperar o marco zero da cobertura midiática dos últimos treze anos, ali onde iniciaram-se os governos do PT, voltar para trás à força, numa colisão com os fatos, exige defeitos colaterais na narrativa, os quais podem ser compreensíveis, mas jamais desculpados.
A gagueira coletiva que acometeu os ancoras da Rede Globo, na cobertura dos acontecimentos que sacudiram a política do país, revelam um fato incontestável. A mídia comercial brasileira apostou na narrativa única durante um longo período de 13 anos, com fervor, religiosidade e periodicidade permanente, apoiada por uma cúpula jurídica e parlamentar que definiam um único parágrafo central e definitivo: A quadrilha do PT, sob o comando do ex-presidente Lula.
O slogan rendeu campanhas bem sucedidas. O impeachment da presidenta Dilma, o plano Michel e a sua ponte para o futuro, o fim da corrupção e a limpeza do país das mazelas petistas, a implementação tardia da política neoliberal iniciada nos governos FHC, com sua rubrica implacável: Estado mínimo, arrocho salarial, enfraquecimento dos movimentos sindicais, privatização de serviços essenciais do estado brasileiro.
Os acontecimentos divulgados na tarde da última quarta-feira, com a força de um iceberg, impactaram de maneira profunda, toda a sociedade brasileira. A lama exposta é das mais nefastas. Uma reflexão, no entanto, precisa ser feita. A mídia brasileira, que nos últimos treze anos, operou como um verdadeiro partido de sustentação da narrativa única, faz parte dessa lama nefasta. Comungou com ela, alienou a sociedade, da verdadeira realidade da política e do empresariado do país. Conspirou com a classe política, inflou egos de figuras do judiciário,convocou extratos da sociedade para as ruas, reforçou as manifestações de ódio e de violência que têm presidido as relações sociais nos últimos anos.
Nossa política é trágica e o nosso jornalismo também. Não foram somente o presidente Temer e o senador Aécio Neves que foram nocauteados com as últimas delações. A comunicação brasileira levou um golpe profundo na sua receita de narrativa única.
A mídia, ela mesma surpreendida, arrancada à força da sua narrativa predileta, experimenta agora a encenação: Encena a sua isenção e imparcialidade, encena a falsa ideia de que não tem nada a ver com esses fatos. Numa cobertura atropelada, nervosa, a mídia brasileira encena para a sociedade, a mentira estereofônica de que nunca atuou como um partido e que zela pelos interesses do país.
Submergindo da lama, ajeitando a gravata e a canópula, a mídia brasileira lava as mãos e desembrulha os cadávers da história que ela própria ajudou a construir, empurrando para baixo do tapete, o seu próprio cadáver fraturado.
(Este post será publicado amanhã, em minha coluna impressa do Jornal A União).