Narrar a história recente do Brasil, sobretudo o capítulo relativo à vitória da presidenta Dilma Rousseff nas eleições de 2014, até a atualidade,quando rege o governo de Michel Temer, não será uma tarefa fácil para os historiadores. Os especialistas da área hão de se defrontar com alguns problemas fundamentais que lhes darão um volume incalculável de trabalho.
O cenário onde se desenrolam os fatos da república é no mínimo sombrio. Envolve porões de garagens, como no filme “Matadores de Velhinhas”; envolve mochilas de dinheiro, como no magistral enredo de “O Trem Pagador”; envolve sobretudo uma narrativa tão ampla, e tão diversificada, que esse será o principal empecilho para que a história seja contada.
A verdade fria e cristalina é a de que o país se apequena. Como se por artes de uma espécie de lipo-aspiração interior, as figuras políticas do Brasil vão perdendo estatura, e, entre gorduras e lipídios, esvaem-se os princípios éticos e morais. Os discursos ganham a superficialidade do biscoito recheado,com excesso de glicose e nenhuma substância formadora.
A mentira, o falseamento, a minimização dos escândalos que se sucedem, como no jogo de Pokémon, ganham a centralidade da mídia, em suas manchetes garrafais, e, como num espetáculo macabro, mídia e sociedade deglutem os acontecimentos, até à saciedade que nunca se resolve.
Na república de agora, os personagens centrais são os ratos, com meus mil perdões a esses animaizinhos que só querem defender o seu queijo. Os ratos daqui, são gordos, grandes e perfumados, mas têm armas as mais poderosas. A principal delas é o cinismo, e com este, a invenção da pós-verdade, essa narrativa esvaída de sentido e de verdade, essa narrativa contaminada com o artifício da retórica vazia, e com a única meta possível desse cacho discursivo: Ludibriar e confundir.
A história recente também conta com um personagem central. A própria mídia, que opera como um difusor das falas cínicas, dos desaforos, dos bips, que fingem escamotear a imoralidade. A mídia opera com o silêncio, quando a notícia fere sua linha editorial, ou promove a balbúrdia em horário nobre, sem tempo para acabar o jornal, quando é preciso desalojar um dos reis dessa república convulsionada.
Mas não nos esqueçamos, o personagem mais importante está nos bastidores. Atua em silêncio. Maneja cordéis e apronta cenários para o futuro. É vago e difuso na superfície, mas, nos bastidores, é organizado, persistente e corajoso. Chama-se de diversas maneiras. Aqui vou chamá-lo de O Grande Capital.
Ao grande capital, quando se trata de presidentes, interessa-lhes essa figura política patética, sem moral e ética, mas, capaz de manejar seu cinismo e sua covardia, com artes de circo de péssima qualidade. Ao grande capital interessam os ratos, com sua fria esperteza e a capacidade de defender o queijo forjado no lucro e na acumulação. Na mídia, quando acaba o jornal, aciona-se a vinheta dos aplausos e do frouxo de riso dos programas de auditório.
(Este post será publicado amanhã, em minha coluna impressa do Jornal A União)