Após a inauguração da imprensa braille do Jornal A União, alguns amigos me perguntam se este não seria um projeto obsoleto, na medida em que há hoje uma grande ecologia de aplicativos que permitem às pessoas cegas acessar conteúdo online, nas telas de smartphones e de celulares.
Como pessoa cega, aferrada ao mundo da escrita, como pessoa que sempre leu e escreveu em braille, como pessoa que dedicou seus anos de doutorado a pesquisar as potencialidades do braille, ou, por assim dizer, a força do relevo dentro da cultura da escrita, preciso dar resposta a esse debate, para que se compreenda a importância desse encarte em relevo que agora A União entregará às pessoas cegas da Paraíba.
O método de leitura e escrita das pessoas cegas foi inventado e divulgado pela primeira vez, em 1929, quando o jovem cego francês, Luís Braille deu a conhecer o seu invento para os franceses do seu tempo. Cem anos depois, o método era reconhecido e se expandia pela maior parte dos países do mundo. Mas estava confinado às instituições dedicadas à educação dos cegos. Não era plenamente reconhecido na cultura social em geral, não aparecia em rótulos, roupas, tampouco era disseminado como meio de leitura direta pelo mercado editorial.
Os inventos das últimas décadas do século XX, deram novo impulso à expansão do braille. Sistemas informáticos incorporaram fontes braille em seus aplicativos de escrita, suprimentos como impressoras braille de custos menos elevados foram criadas. Display braille para leitura do braille em direto, por conexão USB com computadores, ou via bluetooth com smartphones, permitiram que o braille tomasse acento privilegiado na esfera tecnológica.
A Indústria farmacêutica, em larga maioria, incorporou informação braille em suas embalagens, assim como alguns empreendimentos de cosméticos e de alimentos.
As cidades do mundo estão atravessadas por coisas escritas. Cartazes, letreiros, placas, panfletos, propaganda de toda ordem para leitura direta por quem enxerga. O braille, por sua vez, virou artefato de luxo, que só pode ser consumido ou nos livros didáticos, que nem sempre chegam na hora certa, ou por pessoas privilegiadas que podem consumir novos produtos como os displays braille e smartphones de alta performance.
Por isso o gesto de A União em Braille é tão importante. Ler em braille, em pleno século XXI, é valorizar o gesto fundador de Luís Braille. Mais que isso, é dar visibilidade e relevo a uma coletividade que se afirma nesse gesto fundador de tocar as palavras, decifrar as combinações e associações de pontos, coletividade esta que em geral é esquecida em meio à montanha de publicações em tinta que povoam a cultura do texto e da escrita.
É possível que num futuro, uma pessoa cega chegue num stand e compre o seu magazine predileto no formato que desejar: Braille, áudio ou PDF.
Aqui mesmo na Paraíba, a FUNAD está lutando para que contas de água e energia sejam impressas em braille, com código de barra, para que a pessoa cega tenha autonomia para ver o seu consumo e quitar seu débito.
O gesto de tocar as palavras com a polpa do dedo só será suprimido da cultura, quando não mais houver pessoas cegas no mundo. Então, ler em braille, em papel, por uma pessoa cega, é um gesto de reconhecimento e de cidadania.
Bom dia
Vc lembrou o que Dorina dizia sobre o legado roubado dos cegos que é a cidadania que o livro em Braille resgatou
Obrigado
Cristiano nowill
Joana. Minutos antes de ler o artigo, havia tirado o fone do PC para atender uma ligação e fazer as devidas anotações em Braille. Inacreditavelmente, um gesto involuntário, mas muito significativo para mim. Sem Braille não vivo, ou até mesmo, perco minha identidade.