Recordo-me, ainda menina, quando comecei a enveredar pela leitura dos romances de José de Alencar. Em “O Guarani”, encontrei cenas impressionantes, narradas com palavras grandiloquentes.
Lembro-me bem da primeira vez em que topei com o termo catástrofe. A palavra me soou estranha, experimentei como se ela fosse um punhado de pedras grandes, vindas não se sabe de onde, esbarrando em mim com o furioso reboar de consoantes em excesso, estalando os estranhos sentidos que eu ainda não compreendia direito.
Hoje ocorre-me a palavra, em toda a sua propriedade. A catástrofe abateu-se sobre nós, invasiva, prolixa, contundente. Fazemos as coisas de todos os dias. Acordamos, vamos trabalhar, falamos com amigos no café ou na praça; lemos um livro, gastamos nossas horas de surf pelas redes sociais. A verdade é que a normalidade é só aparente.
A catástrofe veio para ficar. Acercou-se das nossas vidas como um hóspede indesejado. Tomou as chaves da nossacasa, dita as ordens sobre o que devemos pensar, estanca nosso passeio na rua, impede a tranquilidade do nosso ir e vir, povoa nosso horizonte social com nuvens e nuvens de presságios sombrios.
A catástrofe chegou, como uma espécie de rio de larva, espalhando-se ora de maneira lenta, ora de forma irruptiva, tomando posse de todas as franjas culturais, reverberando em todos os poros da cibercultura, forjando a gramática macabra das agendas interpessoais,espalhando medo corrosivo e paralisante entre os vários grupos da sociedade.
Somente na grande imprensa se tenta manter o tom de normalidade. Ancoras de tv dão as más notícias com o eterno sorriso nos lábios. A frase que mais se ouve, por entre microfones de lapela, é a de que as instituições são fortes e estão funcionando normalmente.
A grande imprensa cuida para que o cenário, o contexto, os personagens, sejam empacotados para a construção da narrativa da normalidade entregue a uma audiência perplexa.
A grande imprensa cuida do jornalismo mínimo, factual, pequenos pedaços de informação a se apresentarem como os fatos mais importantes, a serem deglutidos, digeridos,ruminados, enquanto cá fora, o mundo estrurge, rosna, escoicea, espolca em tiros e gritos de louvação a esse acontecer macabro.
A catástrofe tem personalidade, tem um gosto ácido, um cheiro à putrefação. E de novo ocorre-me uma palavra das leituras da infância. Penso num outro livro de José de Alencar, “O Tronco do Ipê”. É de lá que minha memória recupera outra palavra:Alvíssaras! Em que mundo terá habitado essa palavra? Em qual realidade ela novamente fará sentido,