Reproduzo aqui, minha coluna de agosto de 2013, escrita na época da chegada dos profissionais do “Mais Médicos”.
Estão chegando. Da Espanha, de Cuba. Falam a mesma língua, mas, curiosamente, cada um tem um discurso territorializado. A médica cubana, no aeroporto do Recife, diante dos microfones da Globo, disse que vinha para colaborar com o povo brasileiro. A médica espanhola disse que estava vindo “com medo do desconhecido”.
O que impressiona, nesta cobertura do programa “Mais Médicos” feita pela velha mídia, é o desarrolhar da antiga maquinaria discursiva da época da guerra fria, é o revalorizar da polarização entre capitalismo e comunismo, num tempo em que as polaridades estão cada vez mais diluídas dentro de um projeto de mercadorização da vida do mundo, em todas as suas esferas.
Mais médicos, mas o problema do nosso mundo não se resolverá. Levas e levas de médicos, mas a doença principal que acomete o mundo ficará intocada. Um mundo que foi alicerçado em cima de fraturas. Na era dos cruzados, eram os cristãos e os bárbaros. No período moderno, o estado, os cidadãos livres, a massa operária e aqueles que só tinham de seu a miséria.
Os dias de agora são os de valorização do Deus capital, alimentando-se de si mesmo, nos paraísos da liberdade fiscal. As fronteiras abissais, como bem nos diz Boaventura de Sousa santos persistem. O seleto grupo dos afortunados, as classes médias, ora ganhando, ora perdendo nacos de status; a horda dos pobres, com seus diversos graus de carecimentos.
A velha mídia, aferrada às velhas engrenagens da política, feito um cão subserviente e fiel, repete a narrativa da batalha entre comunismo e capitalismo. O “mais Médicos” veio para ajudar ao comunismo dos Castro. Veio para escravizar trabalhadores, rosnam seus microfones e as suas manchetes impressas.
Quase nada se diz sobre o mundo real. Tampouco se toca no mundo dos afortunados, essa casta privilegiada que usufrui livremente dos bens, dos serviços e da riqueza produzida por todos.
Nada se fala sobre a condição humana, recebida por cada habitante da espécie mamífero/falante/pensante que chega ao planeta terra, condição que foi se degradando por entre os desvãos dessa organização abissal do mundo.
Venham todos os médicos, trave-se a batalha entre os médicos brasileiros e os médicos do resto do mundo. A doença da desumanidade, a doença da mercadorização da vida, a doença da fome do capital, estas, não tem médico que cure.
A velha mídia, por sua vez, nada dirá que não seja a repetição do velho discurso da política, maquiagem para esconder as reais fraturas do mundo vivo, ocupado em engendrar suas magníficas ou cruéis maneiras de se ser humano.