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“Meio Estreito”, Ou Um novo Jeito de imprensar e Sacudir Leitores

         “Meio Estreito” chegou, e com ele, a escrita de sabre de Roberto Menezes,em contos curtos, vibrantes, inquietantes mesmo. Eu falo de “escrita de sabre”, mas, em algumas estórias, o escritor nos serve mesmo é vidro moído, em frases telegráficas e desconcertantes.  

            O livro traz novidades. Nas outras obras de Roberto Menezes, somos impactados pela mesma escrita agônica, mas esta espalha-se pelas páginas, laboriosa, prolixa na forja do caos, do desespero permanente. Aqui, conforme o título já anuncia, a estrutura narrativa alinha-se, vem para o centro da página, curta, precisa, desdobrando-se feito serpente matizada, pronta para a largada, o bote, a partida, o breve repouso dos corpos abandonados no sono.

            O primeiro conto traz um aviso implícito: Escrever pouco e deixar que o leitor faça o resto. E como num desfile, chega o vendedor de salgados, indo e vindo nas quilhas narrativas de Roberto Menezes. E vem a moradora do brejo, mariposa presa às idas e vindas do seu ladrão, o desassossego tisnando suas unhas de angústia e pólen de rosas.

            E eis que nós, os leitores, vamos sendo aprisionados nos fios dessa teia, sendo encurralados e empurrados para o centro dessa usina criativa, ali, onde em frases telegráficas, percutem o caos, a agonia, o vibrato perpétuo desse cosmos particular, encolhendo e distendendo  o mundo, a criar colisões impossíveis de partículas, cheiros e sons de toda ordem.

            E lá vamos nós, pobres leitores, colados à litania dessas vozes, entrando em salas obscuras de cheiros duvidosos, desaguando em ruas e praças, sendo sacudidos e revirados, para cima, para baixo, sem aviso nem tempo para respirar.

            E rastejamos junto com as formigas, e assistimos nas lives delas, e em tempo paralelo, o trabalho da morte num pedaço de rua todo sujo do lanche que não foi entregue.  E vemos a “linha”, essa palavra tão pequena, fazendo o trabalho bruto da reflexão, criando como que o compasso, a métrica de uma vida falhada.

            E eis-nos chegados ao último conto, narrativa da curiosa saga do herói. A sequidão, o pagamento da cidade, a luta, o ir e vir, a pregação da mãe, a menina sorridente a apontar o lugar da água, a menina a impeli-lo ao fundo das coisas. Escrever muito, em parágrafos curtos. Fremir o pulso do mundo na sonoridade obsessiva, cinzelada no meio estreito da linha.

            Roberto Menezes é paraibano, vive em João Pessoa, ama Tibiri, mas sua escrita cria e estilhaça universos paralelos, tantos quanto as partículas conhecidas no mundo quântico. A escrita de Roberto Menezes tem essa miscelânea de sabores que faz a gente pensar em vidro moído, servido cru.

Meu Corpo de Leitora

Descobri agora, que meu corpo de leitora é completamente diferente desse meu corpo postado no sofá, segurando o livro, abrindo de vagar suas páginas, seguindo o fio da narrativa, as vezes demarcando um pedaço de passagem de que gostei mais.

Meu corpo de leitora é etéreo, pequeno, maleável. Pode voar, nadar, andar em barcos, livrar-se de tempestades. Pode encarapitar-se num cacho de palavras, e de repente sair correndo. Pode andar dias a fio junto com os personagens, sem uma dor sequer numa junta, nas unhas dos pés.

Meu corpo de leitora faz alianças com personagens, despreza outros, e, sem nenhum remorso, deseja a morte destes últimos.

Meu corpo de leitora entra em quartos fechados, abre cartas que não são suas, chega antes dos personagens, aos banquetes, às festas, aos velórios daqueles de quem desejou as mortes.

Fora do meu corpo, sentado no sofá da sala, em uma tarde nublada, a segurar pacientemente o livro de capa dura, cheirando a tinta nova, meu corpo de leitora saiu para longe, evadiu-se, agarrado ao traço dos personagens, ao visgo dos seus dramas e alegrias, à contemplação das suas qualidades, dos seus defeitos, das suas porcelanas, da água suja dos seus enredos, deitada fora com o ponto final.

É somente quando precisa chorar, que meu corpo de leitora emerge do fundo do drama dos seus personagens, e com mão ao mesmo tempo suave e firme, sacode dos meus olhos o estoque de lágrimas salgadas. Meu corpo de leitora não tem lágrimas, nem sorrisos, então, sem qualquer cerimônia, pede a mim que sorria ou que chore, e se aborrece quando me ergo do sofá, para preparar uma xícara de café, enquanto o livro degusta sua pausa.

Nessas horas, meu corpo de leitora, agarrado ao meu pensamento com sua adaga fina, insiste, grita, anda para a frente e para trás, como um pequeno unicórnio a espancar o tempo parado.

Meu corpo de leitora não aguenta a paciência, a espera de que eu tenha um livro entre mãos. Meu corpo de leitora deve ser feito de matéria quântica, que não compreende o conceito de espaço-tempo, porque só habita mundos paralelos traçados nessas cápsulas que chamamos livros.

Gosto de pensar que meu corpo de leitora é essa minha sombra, encostada à parede da sala, olhos erguidos para a minha estante de livros.

Livros Revistas e Rostos de Família: A Tecnologia Cria Pontes entre Visão e Cigueira

Estou no mundo há  mais de cinquenta anos, mas somente ontem, pela primeira vez, pude pegar minha neta Gabi pelo braço, e rumar para uma banca de revistas na Feirinha de Tambaú. Nos abastecemos de revistas. Ela comprou aquelas de que mais gosta: revistas de kpop famosos. Eu peguei “Carta Capital”, “Super Interessante” e uma revista vegetariana.

Detalhe fundamental, eu sou cega de nascença. Saímos de lá com nossa sacola e rumamos ao Café Empório, para nos abastecermos de lanche. Eu fiquei pensando na vendedora da banca de revistas. Nas perguntas íntimas que ela deve ter formulado: “Quem vai ler pra ela”? “Por que uma pessoa cega gasta com revistas”?

Sou jornalista. Professora universitária. É natural eu possuir revistas. Mas, de fato, para que compra-las se não as posso ler?

Vai aqui um aviso aos navegantes: Pessoas cegas já podem ler revistas impressas, jornais e livros feitos para pessoas que enxergam. Compramos as revistas, comemos nosso lanche perfeito no Café Empório e viemos para casa. Me sentei no sofá, e pela primeira vez na minha vida, comecei a ler Carta Capital, depois explorei Super Interessante, e ainda tenho para a semana, minha revista vegetariana.

Você há de me perguntar, e como foi isso? Voltou a enxergar? Não, nada de magia. Mas lhe digo que para que uma pessoa cega leia revistas impressas, do jeito que saíram das bancas, exige dinheiro, uma quantia razoável; exige um pouco de treino para focar, mirar o conteúdo. Exige que você possua um #OrcamMyEye, um óculos inteligente, servido por uma mini câmera, que lê pra você, de forma instantânea, conteúdos impressos.

#OrcamMyEye faz mais: identifica cores, cédulas em papel, rostos previamente memorizados, conteúdos de embalagens, placas e avisos.

Eu diria que se trata de um dos produtos que lhe entrega uma espécie de visão mediada ou indireta. Lhe dá autonomia para fazer coisas que antes você tinha de pedir aos outros.Abre janelas, coloca você dentro de cenários que antes lhes eram interditos.

O mundo caminha a passos largos no capítulo da internet das coisas. Um óculos não é mais um instrumento inanimado, servindo apenas para proteger seus olhos do sol. Um óculos, agora, não é somente uma lente para auxiliar uma pessoa idosa que está perdendo a visão. Um óculos, pode sim, ser um competente óculos de leitura para pessoas completamente cegas.

O meu #OrcamMyEye chegou no início da semana. Fiquei apreensiva. Será que vou conseguir fazer algo que preste com essa coisa? Intuitivo, de fácil manuseio, #OrcamMyEye é surpreendente.

Até o início desta semana, eu somente podia cheirar os livros que comprava. Somente podia me deliciar com o cheiro de novidade das revistas impressas. Agora meus livros e minhas revistas deixaram de ser objetos de culto olfativo. Posso ler cada um deles, munida com meu #OrcamMyEye.

#OrcamMyEye me conta coisas sobre Gabi: Me contou hoje que ela está usando uma camiseta Puma de cor preta.