“Dilma, Pede pra Sair”!

Virou moda, hit nacional, même viral na internet. Em espetáculos públicos, acaba fazendo parte do grito de comemoração, a exemplo do que ocorreu   na noite do último sábado, quando o lutador de UFC Gilbert “Durinho”,bastante machucado, comemorou sua vitória com um grito de guerra inusitado: “Dilma, pede pra sair!”

O grito era uma espécie de eco, de reverberação do que ocorrera no dia 15 de março, quando em microfones abertos, a presidente do país foi achincalhada, vaiada, desrespeitada flagrantemente, em desaforos virulentos que não eram apenas verbalizados, mas expostos em cartazes e faixas.

O sucesso de xingar a presidente já tinha feito sua estreia na abertura da Copa do Mundo. Na atualidade, para além das redes sociais, tem   ocupado inúmeros espaços, e ganha adeptos sempre que haja um microfone, um espetáculo, uma forma de ser naturalmente publicizado.

A verdade é que esses ataques gratuitos, aparentemente espontâneos, refletem o clima belicista que perdura no país, o qual intensificou-se na última campanha eleitoral e não dá sinais de que possa ter uma trégua.

A cobertura da mídia, tematizando e enquadrando os acontecimentos, cuidando do processo seletivo de ir soltando aos poucos, mas sistematicamente, pequenas pílulas de informações, as quais desqualificam e incriminam o governo da presidente Dilma, são o adubo natural para essas manifestações de ódio, de ataque à principal figura política do país.

Se entretanto olharmos para o âmago da sociedade, veremos que na cultura atual, manifestações de intolerância, de desrespeito, têm demarcado as relações, de tal sorte que uma simples briga em um sinal de trânsito, ou mesmo uma contenda entre vizinhos, pode descambar num crime fatal.

A sociedade atual, em muitos dos seus extratos, é intolerante, impaciente, e, esquece-se com muita facilidade de praticar o respeito, as regras de convivialidade e boa vizinhança.

O país avançou nos seus processos de distribuição de renda, apresenta índices de redução da pobreza extrema, mas, vive um assustador vazio no que diz respeito à educação dos seus cidadãos.

A figura da mulher, da presidente da República, símbolos que naturalmente deveriam infundir respeito, não têm tido força suficiente para impedirem a avalanche dos impropérios que Dilma Rousseff vem recebendo, em microfone aberto, e, sob o silêncio de uma mídia que apenas divulga e não parece   minimamente preocupada em repelir os insultos, as chacotas, os desaforos virulentos.

A pressão das panelas parece estar pelas tampas. Encurralada, vivendo a solidão de defender, quase que em batalha solo, a democracia e a liberdade de expressão, Dilma Rousseff parece ser a maior vítima dos apupos de uma sociedade achacada pela impaciência e pela intolerância. Até quando?

 

(Este post será publicado amanhã na minha coluna impressa do Jornal a União)

A Alegria se foi

Faltam pouco mais de vinte dias. A Copa vai chegar, mas o meu país, como se fora um gigantesco monstro enjaulado, assombrado por um banho de água gelada, espreita para fora, espera, avalia, sem um naco qualquer de alegria.

Eu própria, olhando para esse cenário, faço a pergunta infantil e tola: Então não somos o país do futebol, não queremos ficar com a sexta taça do mundo, não exportamos os melhores craques, para fazermos a alegria das maiores torcidas do mundo?

Sim, um fato é inegável. A alegria se foi. Há uma revolta, ora represada, ora exposta, que ameaça a Copa do Mundo, essa festa dos campeões, do esporte, das indústrias dos tênis, das bebidas, dos alimentos fast-food, dos automóveis.

Não há como negar, nesse grande caldeirão onde antes imperava a alegria, a ira, a revolta, feito água fervente, tendem a transbordar, para a incompreensão dos dirigentes, dos vendedores, dos organizadores, dos comunicadores desportivos.

Você se lembra como foi das outras vezes… O país todo vestido de verde e amarelo, as vitrines abarrotadas das quinquilharias, todas sendo disputadas a gritos, cheios de alegria, dos vendedores, dos compradores, dos torcedores…

Agora não. Agora, a simples menção da Copa gera um protesto. Pneus queimados, correria, balas de borracha, privadas sendo atiradas de pontos estratégicos, bananas, muitas bananas.

O mundo é outro. As pessoas trazem a sisudez dentro e fora das máscaras.

Há aqui um mundo todo a ser contemplado. Um mundo abarcado por três, quatro décadas, duas gerações talvez. Um mundo dos pais e dos avós, saídos da ditadura, gente que lutou para ver a política como um lugar de emancipação. Um mundo de pais e avós cansados, de filhos descrentes.

Um mundo no qual a descrença, a desesperança e uma ira perigosamente alerta tomaram o lugar da alegria, do encantamento por ver uma bola a girar com graça, com elegância, com maestria, a trazer as taças.

A copa que se jogará daqui a pouco, não é mais a copa dos brasileiros. Nas casas, na rua, no bar, na praça, não se fala em Copa. Armam-se manifestações, acumulam-se pedras, pneus e bananas..

A copa que se jogará daqui a pouco, é um mega-espetáculo publicitário, curiosamente brilhante, mas completamente afastado do povo, da sua vontade, dos seus cantos de alegria, represados.

Aprontam-se estádios gigantescos, distribuem-se os ingressos, esmeram-se os artistas para os últimos ensaios, os políticos seguram as chaves das cidades cede e intimamente, escutando o bramir surdo das ruas, perguntam-se à medo e incredulidade: Então, o que é que eles querem?

Apreensiva, eu também conto os dias. Espero a Copa, mas não estou alegre. Sei que vou me emocionar quando se iniciarem os primeiros acordes do Hino nacional. Sei que vou gritar alto, junto com todos os da minha rua, quando a primeira bola brasileira invadir a rede adversária. Mas não, não estou alegre. Não adianta ensaiar o samba, o frevo, porque já conheço os tons da tenebrosa canção que se apronta, toda feita de ira, dos ruídos estranhos das balas de borracha, misturados aos rojões.

 

(Este post foi publicado em minha coluna impressa do Jornal A União, em 21 de maio de 2014).