De quem é a dor dos outros? Quando o jornalista Precisa brecar a Notícia

Fiquei perplexa hoje com um acontecimento exibido no Jornal Hoje, retratando o desespero e o drama de um pai de João pessoa, numa delegacia de polícia, indignado com o comportamento do seu filho, que havia roubado um celular.

Assaltos a ônibus, assaltos nas ruas ou as chamadas “saidinhas de banco” são notícia corrente na crônica jornalística da tevê, do rádio, dos portais. A notícia ali não era propriamente o assalto. A notícia ali, exibida com todas as suas sílabas, os gestos, as interjeições, a fala alterada, com um sotaque inconfundível, a notícia ali era a dor daquele pai.

Fiquei me perguntando se de fato temos o direito de mostrar aquela narrativa em cadeia nacional de televisão. Teria aquele pai autorizado que a sua dor virasse notícia? Em seu estado de desamparo, de indignação, teria ele tido ciência das câmeras, dos microfones, da edição empacotada e enviada para o JH?

Sinceramente, não entendi aquela exibição. Fiquei completamente impactada com a força da dor daquele pai, apresentada em toda a sua expressão, no canal da minha tevê.

Senti vergonha do jornalismo. Senti tristeza por tantos e tantos pais, virando notícia de tevê, sem um anteparo qualquer que os proteja, sem um nome célebre, sem fortuna no banco, pais desesperados para conter a juventude irresponsável dos seus filhos, assaltantes, presidiários, personagens corriqueiros da cena midiática.

Porque é certo que aquela não seria notícia do JH, não fosse a dor daquele pai, derramada, alastrada pela delegacia de polícia, tomada de assalto, editada e encapsulada entre as manchetes principais do jornal da tarde.

Fiquei pensando nos caminhos que a dor daquele pai, a sua angústia pesada, tiveram de percorrer para serem notícia. Me perguntei por mãos de quantos jornalistas terão passado aquelas cenas, para desembarcarem feito notícia no JH. Pensei que para além do desamparo daquele pai, temos um jornalismo que em geral esquece as suas lições sobre ética, e, no afã de fechar o jornal, apropria-se da dor dos outros, empacota lágrimas, gritos, dramas, diálogos entre um pai e um filho, expostos e sozinhos, numa delegacia de polícia.

Lamentei por essa página jornalística. Lamentei pela ausência do bom senso, lamentei que não tenha havido um jornalista sequer, capaz de brecar aquele espetáculo, capaz de impedir a circulação da notícia, capaz de desligar o microfone, guardar sua câmera, respeitar a dor terrível daquele pai.