Uma Arca Vazia Para Uma Política Pobre

 

Primeiro pensei em recorrer à metáfora do trem, e de uma viagem terrível, à uma rota provável, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Não, a metáfora do trem já não serve. Viajamos em um navio, num mar revolto, em que uma tempestade formidável se levanta e parece que não vai amainar tão cedo.

Deram-se as condições para o impedimento, ajustaram-se os quóruns, ainda que nem sempre os motivos fossem os republicanos, e vive-se no Senado Federal, a fase das oitivas das testemunhas.

Do lado da governança, desfraldou-se o discurso da austeridade, dos ajustes, do estado mínimo, mas em pouco tempo viu-se que tudo não passava de discurso. O governo interino veio com muita sede ao pote, e à pressa, num parlamento conturbado, ganhou condições para aprovar um déficit de 170 bilhões, e a desvinculação de receitas e despesas do orçamento da União, para a liberdade da gastança.

Enquanto escrevo a coluna, assisto às notícias da renúncia do Ministro do Turismo. O governo esfarela-se a cada dia, e, para cada lado que olhemos, nuvens sombrias acumulam-se no horizonte, crivando de incertezas, a hora seguinte, o dia de amanhã, a rota provável.

Ainda que não haja um crime de responsabilidade, ainda que não estejam caracterizados o dolo e a má fé, há grande probabilidade da consumação da cassação do mandato da presidenta. O impeachment far-se-á à força, a golpes nas mesas e campainhas de alerta nas sessões do senado, na medida em que até a narrativa da corrupção absoluta do partido dos trabalhadores desmoronou, à custa dos dados terríveis  que transformam a verdade da corrupção, em um iceberg a implodir a política como um todo, nos seus diversos matizes e cores.

O impedimento virá, ainda que o governo interino, sob o manto da salvação nacional, tenha reunido um número significativo de mandatários preocupados com foro privilegiado, ainda que o próprio comandante desta nau, vestido de temor, tenha que fingir coragem para livrar-se das inconvenientes citações do seu nome na operação Lava Jato.

O dilúvio prossegue, a tempestade ribomba, e, nas bordas decisórias da política, levanta-se o conjunto dos movimentos sociais, a clamar pela defesa da democracia, a recrudescer na faina da mobilização das massas para uma mudança real nas condições do exercício da cidadania no país.

O navio prossegue aos solavancos, ora sendo impelido pela mão grande e apressada dos que querem alcançar o porto do impedimento a qualquer custo, ora de forma lenta, sob o influxo da minoria que tenta recuperar o mandato da presidenta, em sintonia com a voz rouca das ruas, das praças e dos aeroportos, a denunciar diuturnamente o golpe.

Quem se salvará da força dessa lama? Como erguer, acima dessas águas turvas, a arca, e os seus exemplares de ética, moralidade, cidadania e justiça social? A arca, desta vez, ficará vazia?

 

Este post será publicado amanhã, em minha coluna impressa do Jornal A União