#DitaduraNuncaMais: Minha Homenagem à Zélia Stein (In Memoriam)

Esse dia pede luz, memória, resgate de coisas que não podem ficar no esquecimento. Republico minha coluna de A União, publicada em maio de 2013, entre lágrimas, atualizo os tempos do verbo, refaço as linhas de força de um caminho sem volta.

A Paraíba também recuperou, para expor ao Brasil e ao mundo, através da Comissão da Verdade, as páginas da história dos anos de chumbo. Levantou nomes, cotidianos desfeitos ou obscurecidos, torturas. Inventariou, através de papéis amarelecidos ou vozes trementes, memórias terríveis perpetradas com ou sem o carimbo da lei, aniquilando ideais, sonhos, projetos de futuro.

O trabalho foi árduo, mas contou com experiências do quilate da historiadora e professora Lúcia Guerra, com o vigor e a perícia investigativa do jornalista e sindicalista Rafael Freire, além de tantos outros nomes significativos que compõem a nossa Comissão da Verdade local.

Cada pedaço do nosso rincão paraibano tem linhas e linhas da sua história particular daqueles anos. Nomes que precisam ser exumados do esquecimento, passagens que necessitam ganhar  relevo  e serem fixadas na memória do presente.

Se me fosse dado falar daquele tempo, eu me lembraria da minha professora de comunicação, Zélia Maluza Stein.  Veio para João Pessoa em fins de 1979, mas ficaria aqui poucos meses. Me lembraria de duas marcas da sua personalidade: A extrema delicadeza com que tratava seus alunos e o tom de reserva e de tristeza que eu podia notar na sua voz.

Se me fosse dado falar, pediria à nossa Comissão da Verdade que vasculhasse no Correio da Paraíba, em sua edição de 29 de janeiro de 1981 e procurasse por uma reportagem sobre a Lei para os Estrangeiros. O Depoimento de Daniel Sanchez, marido de Zélia, dispararia covardes represálias.

Vivemos pouco tempo com aquela professora de voz suave, porém, tingida por uma tristeza profunda.  Zélia fugiu de João Pessoa num dos dias daquele ano, ela e o seu companheiro uruguaio, Daniel Sânchez, com seu filho que tinha pouco mais de dois anos. Recomeçou o que já vinha fazendo ao longo dos anos de ditadura, saindo e chegando em lugares, abandonando sua vida nos desvãos onde habitava o medo e a incerteza.

Naquele tempo eu não podia compreender o horror do que vivíamos. Nós, jovens estudantes, tentávamos alinhavar alguma compreensão daquele período com fiapos de conversas, canções de protesto e silêncio, grandes nacos de silêncio.

Somente em 2012, por força da internet, eu e Zélia nos reencontraríamos

Reencontrar Zélia foi como me rever, tão jovem, tão completamente alienada da minha história, tão amargamente inconciliada com um tempo em que tantas pessoas viveram como mortos-vivos, despojados dos seus sonhos, das suas vidas.

Zélia Maluza Stein, capixaba, fugiu de João Pessoa às pressas, levando seu filho pequeno e um vazio no coração, pois já tinha sido separada da sua primeira filha, anos antes, em 1969, quando buscou asilo político no México. Zélia Maluza Stein, perseguida política em vários municípios brasileiros. Zélia Maluza Stein, clandestinamente sequestrada em 1976, pela polícia brasileira, torturada pela polícia do seu país e do Uruguai.

Não, queridos leitores, essa coluna é muito pequena para a escrita da crônica de Zélia. O seu relato é imenso pela monstruosidade do que lhe fizeram, por isso confio à Comissão da Verdade, o desvendar de pelo menos o capítulo paraibano do seu sofrimento.  Zélia viveu, no Uruguai, junto da sua família. Zélia viveu, mas carregou por todo esse tempo, o manto da dor e da angústia.