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Orcam My eye e as Falsas Visões sobre a Cegueira

Prefeituras e governos estaduais de diversas localidades brasileiras estão empregando somas consideráveis na aquisição   dos óculos de leitura Orcam my eye, dispositivo criado por uma empresa israelita e comercializado no Brasi pela franquia “Mais Autonomia”.

A aquisição mais recente se deu em Porto Alegre, onde a Secretaria de Educação do município investiu cerca de um milhão de reais para a compra dos óculos para escolas do ensino fundamental e médio. A compra gerou  reações  críticas da parte de pessoas cegas, sobretudo educadores, que alegam a necessidade de aquisição de tecnologias bem mais básicas para a educação especial, a exemplo de linhas braille, dispositivos com leitores de tela, e até equipamentos de escrita manual, como regletes e punções.

Mas o que e o orcam my eye, e o que ele faz? O equipamento é composto por uma minicâmera, acoplada a um óculos, que fica no rosto do usuário. Um ocr, dentro da câmera, fotografa textos impressos para leitura, identifica cores, rostos e cédulas e códigos de barra. Tudo é informado ao usuário por uma voz sintética, e todas as  operações se utilizam dessa leitura audível. Cada dispositivo é comercializado pelo valor de 14 mil e 400 reais, a preços de hoje.

O orcam my eye é apenas mais uma das múltiplas tecnologias assistivas voltadas para as pessoas cegas. Entretanto, as visões que orbitam em torno do equipamento, e que são difundidas em matérias jornalísticas, reportagens de tv e conteúdos diversos, vendem ilusões sobre o que a câmera pode fazer por uma pessoa cega. É comum ouvirmos afirmações do tipo: “Agora os cegos podem voltar a enxergar”, ou, “uma criança cega não precisa mais ler braille”. Ou ainda, “agora posso ver o rosto da minha filha”…

O entusiasmo é ingênuo. Em geral, pessoas cegas não querem enxergar. Adaptadas à sua condição, lutam por acessibilidade, respeito e dignidade, e querem ser vistas e tidas como cidadãs.    

Privar uma criança cega da leitura e escrita braille, é como negar às crianças que enxergam, o acesso à leitura e a escrita manuscrita, ferramenta e legado fundamental do progresso da cultura humana.

Governos estaduais e prefeituras estão errados quando dispõem verbas importantes para aquisição do equipamento? O erro maior radica no fato de não se escutar os mais interessados, ou seja, os educadores, os usuários, as políticas de educação especial. O orcam My eye   não pode jamais ser considerado um item de primeira necessidade no chamado quite básico de educação de crianças e adolescentes cegos. Os governos e prefeituras precisam antes suprir escolas e salas de recursos com materiais de escrita manual, linhas braille, dispositivos de cálculo e computadores e tablets com leitores de tela. Feita esta lição, e, ouvidos os educadores, pode-se sim, inserir o orcam my eye como recurso complementar, se houver verba excedente, e mais que isso, se houver políticas de utilização e manutenção do dispositivo, que, por sua natureza, é recomendado para uso individual.

Para educadores e usuários com deficiência visual das redes públicas de ensino, o que está sendo vendido como panaceia para as crianças e jovens cegos pode representar mais um óbice para a educação especial, o aprendizado do braille, tão indispensável ao processo ensino/aprendizagem desse público. Pesquisas dão conta de que adolescentes e jovens cegos têm cada vez menor domínio da escrita da língua, assim como da leitura em braille. Um alerta deve ser feito aos gestores públicos: Num quite básico de tecnologias assistivas, o orcam my eye está longe de ser um equipamento indispensável, visto que suas funcionalidades já encontram realização muitas vezes de custo zero, através de aplicativos como o seing ai,

 Aplicativo gratuito da Microsoft, que realiza rotinas similares em Smar fones                  e tablets, somente para citar um exemplo bem-sucedido de tecnologia assistiva.

“Nada sobre nós sem nós”: Essa máxima, largamente difundida em discursos, lançamentos de campanhas de acessibilidade, eventos de pessoas com deficiência, está longe de ser exercitada nas redes públicas de educação do país, onde educadores, usuários e famílias de pessoas com deficiência, em geral  não são ouvidas em decisões  que certamente terão impactos de relevância ou não, no cotidiano educacional desses coletivos.

(este poste foi publicado originalmente em http://www.cnclp.com.br)

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Quando o Mal é Absoluto (2)

Escrevi uma crônica com esse mesmo título, há alguns anos. Desde então, percebi que já poderia ter escrito centenas delas, com esse mesmo título. Assisti às engrenagens do mal, na sua faina de se superar; vi, no meu país, a força das veias da maldade, ganhando espaço e vigor.

A mídia comercial decidiu que os nomes do mal não serão mais publicizados. O mal não terá senão, as letras da sua sílaba fatídica. O mal não terá seus rostos espostos, nem será conhecida sua identidade.

O mal celebrará sozinho o repasto macabro que engendra, nas creches, nas escolas, nos cinemas, nas igrejas, nos templos.

E nós? entrincheirados dentro da nossa tristeza profunda, faremos silêncio por entre as lágrimas; faremos precesduras de desespero; velaremos os pequenos corpos vitimados.

Somos reféns do que o mal prepara, na sua cozinha maldita. “Que Deus nos proteja”, diria minha mãe. Peso suas palavras, procuro seu vigor, mas estou tão triste”… Que Deus nos proteja, digo eu, tentando aplacar todas as fibras dessa dor coletiva que vibra, em todos os poros da sociedade.