O Pêndulo da Mídia

O título da coluna de hoje é uma brincadeira que faço, lembrando a clássica obra “O Pêndulo de Foucault. Trago à cena a cobertura da grande mídia dos primeiros dias do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff. O “Manchetômetro”, importante ferramenta de pesquisa criada pelos estudiosos da comunicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro já deu o tom de como as coisas andam. O governo, a exemplo do que ocorrera nos seus quatro primeiros anos, continua sendo premiado com um alto índice de manchetes negativas nos principais veículos de comunicação do país, situação que só tende a agravar-se, dado ao sombrio cenário que ronda o planalto. Senão vejamos: A operação “Lava Jato” segue produzindo sua quota de fatos escandalosos quase que diariamente; a crise hídrica/energética assume proporções catastróficas; a equipe econômica tem anunciado medidas que já inquietam aos movimentos sindicais, sociais e a população em geral.

No meio de tudo, está sendo pautado o que jornalistas e colunistas chamam de “o silêncio de Dilma”, que depois dos seus discursos proferidos na cerimônia de posse, e uma entrevista dada na segunda-feira 2 de janeiro, não mais se pronunciou sobre os problemas do país e as medidas que vêm sendo adotadas, prenunciando austeridade, contenção e dificuldades para os próximos meses.

E o que pode prenunciar este silêncio presidencial. Da minha janela de observação dos fatos, ouso aventar algumas hipóteses. Dilma estaria tomando distância de uma mídia que sempre a golpeou, acirrando sobretudo no período de disputa eleitoral, sua clara cobertura negativa contra o governo? E se assim o for, a presidenta colocará em sua agenda com mais vigor, o tema da redemocratização da comunicação no país, o qual parecia estar em franca evolução, pelo menos na blogosfera e nas redes sociais, antes que rebentasse o lamentável episódio Charlie hebdo?

É óbvio que o silêncio presidencial tem mais razões do que a nossa vã filosofia pode aventar. Por outro lado, é pouco provável que em seu segundo mandato, a presidenta promova alguma mudança significativa nas antigas e carcomidas leis de regulação da mídia, desafio aliás, enfrentado por governos como o da Argentina e o do Ecuador, além da mais recente mudança nas leis de comunicação do Uruguai, para ficarmos em nossa américa latina.

Verdade seja dita, a presidenta nunca foi uma contumaz faladora. No primeiro mandato, foram poucas as entrevistas coletivas e foi somente em tempos de disputa que ela rompeu a lei da economia de fala. Estou do lado daqueles que pensam que a presidenta talvez precise mesmo dessa contenção agora, quando o governo mal recomeçou. Estou do lado daqueles que ainda acreditam que os primeiros ajustes drásticos e inevitáveis recolocarão o país nos trilhos do crescimento, sem que haja perdas significativas de direitos sociais. Os gestos de Dilma falam muito. Ao ir à posse do presidente boliviano Evo Morales, Dilma anunciou simbolicamente seu interesse na união da américa Latina, em favor do crescimento da região.

O pêndulo da mídia, esse sim, tem uma direção certa. Prosseguirá na sua batalha encarniçada contra um governo que os grandes veículos de comunicação não gostariam que estivesse no palácio do Planalto.

 

(Esta coluna será publicada amanhã no jornal A União).

Quando o Riso se Transmuta em Silêncio

As vezes acomete-me esse silêncio, esse hiato, essa espécie de deserção do mundo dos que explicam, interrogam, refletem, incitam, mobilizam, argumentam, renegam, avaliam, desprezam, compreendem e tantas mais ações nesse mundo coberto e recoberto por símbolos.

Foi o que aconteceu após os aterradores eventos vividos na França da semana passada. Guardei minhas poucas palavras, recolhi-me ao silêncio e bebi sozinha minha taça de mágoa, de tristeza, de desesperança.

Sim, digo que o mundo é recoberto por símbolos, porque é através deles que deságua um oceano de sentimentos, emoções, um planeta inteiro absorto em tele-estar lá, no foco dos acontecimentos. Examine as primeiras postagens. Perplexidade, revolta, opiniões, muitas opiniões. O humor virado de ponta cabeça, as penas quebradas, o riso transmutado em silêncio.

No mundo contemporâneo, servido pelos dispositivos tecnológicos, o estar em presença das coisas tem os seus graus de participação, e, ao mesmo tempo, cria a ilusão de que podemos falar sobre os acontecimentos, desnudá-los, compreender sua essência.

A verdade é que um acontecimento tão impactante pede reflexão cautelosa, exige a tentativa de olharmos para os seus atores sem a pressa das explicações fáceis, dos slogans oportunistas, das comparações infelizes.

Minhas primeiras palavras sobre o episódio são ao mesmo tempo uma tímida tentativa de distanciamento e de aproximação. A civilização ocidental assentou os seus alicerces sob os gumes de uma crítica aguda e cortante. Os mais de dois mil anos de tradição do pensamento ocidental, legou-nos Descartes, os enciclopedistas,Marx e Frankfurtianos, e devemos parar por aqui, pois a lista não caberia nesse nosso artigo.

Se nos voltarmos para a arte, poderemos dizer, que será a arte, a boa arte, senão esse lugar de escavações, essa semeadura da dúvida, da inquietação, do agulhão mais fundo da ironia e do humor sardônico, ao velho estilo voltairiano?

Que não se espere pois do ocidente civilizado, a disposição para a generosidade, o respeito às crenças do outro, às diferenças, sobretudo ali onde o ocidente esmera-se por fazer valer sua opinião, no terreno da arte.

Sim, a liberdade de expressão é uma conquista da Europa moderna e o seu berço pode-se dizer, é a França. Os cartunistas sabiam que estavam brincando com fogo, e acicatavam, provocavam, escavavam os lugares das crenças, dos fanatismos, das superstições,

Com traços firmes, esgaravatavam o muro extremo da fé cega, com ponta de faca afiada, somente para fazer brilhar a liberdade da ousadia, da indisciplina e da criação.

Sequer foram surpreendidos em sua reunião de trabalho. Esperavam por aquilo. Mas esperavam também, que o Estado os protegesse. Surpreende a facilidade com que os irmãos adentraram ao recinto, chamaram seus desafetos e os mataram.

Quebrou-se a possibilidade do debate, da contra-argumentação.Os poderosos, os oportunistas, os ingênuos, movem-se agora sobre os escombros dessa triste história recente, e eu tento encontrar um ponto de equilíbrio, nesse meu oceano feito de mágoa e de pena, pelos cartunistas que se foram, pelos irmãos, que deram a sua vida por um ato extremo de desespero cego. A que poder serviram eles? Para além das declarações de responsabilidade, que poder saberá melhor apropriar-se desse acontecimento?