Sim, é verdade. Eu sempre escrevi sobre os finais de tarde da minha cidade. Escrevi ora com a mão pesada de paixão, ora com a quietude do espírito em contemplação, ora como que quase suspendendo as palavras, para espreitar, sob a cúpula do silêncio, um raro som, vindo de uma casa distante.
Mas junho chegou, com suas manhãs feito pérolas frias, a gotejarem na bacia do tempo. Junho chegou com suas manhãs ora nubladas, ora iluminadas por um sol que se suaviza e bebe com calma o orvalho das madrugadas nas taças brancas das flores de Lyra.
Junho chegou, e os bem-te-vis estão alegres. Entoam seu canto de três sílabas, como se sorrissem, como se, para aproveitarem a temporada, se enfeitassem de brisa, essa brisa que vem do mar, ou que chega do rio Jaguaribe, alisando por onde passa, folhas, flores, troncos grossos de árvores centenárias, indiferentes ao trânsito da cidade.
Junho chegou, os bem-te-vis estão alegres. Contemplo essas duas frases, como se fossem elos de uma mesma corrente, de um mesmo fluir de tempo, doce, indissociável.
Com alguma tristeza, penso que só posso provar dessa alegria, se erguer sobre ela o dique das palavras. Sinto a brisa da manhã, escuto a sonata dos bem-te-vis, em cada sílaba, exultação, pura exultação.
Pousados nos postes, nas torres de tevê e de telefonia móvel, de onde saltam para os galhos mais altos das árvores, os bem-te-vis estão alegres.
Os bem-te-vis estão alegres, de uma alegria pura, alegria de estarem num mundo feito de altitudes, de planos improvisados de voo, sob a quilha de um vento enfunando de leve suas asas tenras.
Os bem-te-vis estão alegres. Sonho com uma manchete de jornal, em letras garrafais, dando essa notícia delicada, com o mesmo estardalhaço com que cantam os pássaros, nas manhãs de junho.
Lead retumbante esse, de bem-te-vis cantando na manhã de junho, notícia curta, uma nota talvez, mas, tão íntegra na sua verdade, tão flagrantemente indispensável no quadro dessa manhã, em que já se anuncia chuva, em que da borda do mar, ondas maiores espremem sua vigorosa faina de ir e vir, ir e vir.
Desligue a tevê. Desconecte também a sua segunda tela. Escute os bem-te-vis, sinta a alegria desses pássaros na manhã de junho. Sinta o cheiro do mar, assista ao dique da chuva caindo de leve, na calçada da sua rua. Entre de novo em casa e avise à família: Os bem-te-vis estão alegres. Feche o jornal, esqueça a tragédia de estarmos vivos entre tantos mortos, desligue a maquinaria inútil da política, esqueça a infame ganância dos amealhadores de notas frias e contas milionárias em paraísos fiscais. Por um minuto, assista a esse pequeno espetáculo, a essa alegria composta em três sílabas, sob a percussão da brisa, da chuva, sob a luz do sol da manhã de junho.