As Forças do Golpe

Os ancoras de televisão não gostam quando se afirma que há um golpe em marcha, um golpe que ora perde força, ora assoma ao topo da agenda política, e que visa destituir o governo da presidente Dilma Rousseff, eleita para governar o país até dezembro de 2018.

Para aqueles que já vivenciaram momentos difíceis no Brasil, os quais redundaram na deflagração de golpes e destituição de governos, o golpe pode acontecer num dia qualquer, quase sem aviso, provavelmente numa manhã de meio de semana, quando a mídia precisará de fatos quentes que rendam até o domingo.

O golpe é como uma fruta grande e madura, pronta para ser colhida, só carecendo das condições ideais para que isso ocorra. Foi germinado a partir de um conjunto de idéias que germinam os golpes, as quais desacreditam o estado na sua capacidade de governo, insuflam pequenas e grandes revoltas diárias, demonizam as autoridades máximas do país, plantando no centro da cultura, um ideário sobre os governantes, que os pintam como criminosos, irresponsáveis e corruptos.

A força maior de um golpe é a capacidade de mobilização da imprensa em favor do seu ideário. Uma imprensa mobilizada trabalha dioturnamente em favor do golpe, organizando e difundindo os discursos, recrutando seus melhores ancoras para a faina diária de divulgação e manutenção das táticas e práticas, repetição dessas táticas e práticas, tanto como exercício de crença, como trabalho de domesticação das massas.

Porque é certo que um grande contingente da imprensa nacional acredita piamente no conjunto de idéias que conformam o espírito golpista. Um grande contingente de jornalistas que não ousa questionar, mas antes, dá curso à narrativa que lhe é solicitada, sob encomenda, e que é diuturnamente repetida pelos ancoras,eles que estão no topo desse processo narrativo e aos quais caberá sempre a última palavra.

Uma imprensa mobilizada trabalha sob os auspícios de outras forças: Os políticos de oposição, representantes das cortes de justiça, extratos da polícia federal. Uma imprensa mobilizada é mesmo a voz de todas essas narrativas, lhes dá chancela e credibilidade.

Uma imprensa mobilizada limpa a área, para que a narrativa baseada na acumulação e na consonância das coberturas, possa estar sempre num lugar de centralidade. Não existirão denúncias, mas antes, a denúncia. Não existirá corrupção na política, mas antes, corruptos de ocasião, instalados no âmago da República, quadrilha criminosa a dilapidar as riquezas do país.

Uma imprensa mobilizada narra a fábula inverossímil na qual cabe uma corte de políticos virtuosos, presididos por um presidente capaz de levar a cabo um processo de impeachment. Sim, porque uma imprensa mobilizada defende que se cair o presidente da Câmara, levará consigo a presidente do país.

O golpe espera pois, na sua bandeja de prata, o momento de ser colhido. Com paciência, técnica e táticas diversas, a imprensa mobilizada do país dá safanões na bandeja, a ver se a fruta cairá na concha da história.

“Cantos de dar e Receber”

Somente esta semana, por conta da divulgação do show, parei para escutar o novo cd de Chico César, lançado em junho último.

A gente já não compra discos como antigamente. Pode ir descarregando as músicas aos poucos, e, se o disco não nos agradar de todo, a gente só fica com as músicas boas.

O cd de Chico César é todo bom. Você descarrega as catorze músicas e fica querendo mais.

Ele voltou em estado de poesia, mas não só. Voltou com arte, com graça, com humor, e com um repertório de travessuras musicais deliciosas. Os arranjos são outro show à parte, os ritmos variados, mas há aqui um pedaço grande da nossa pátria, o nordeste brasileiro.

A música “Caracajus” tem poesia, numa letra que revela a calma e a paciência do cantor, quando está compondo. Tem harmonia bela, um ritmo de cantiga, tem a força da invenção no bordão, “caracajus, caracajus”, “cantos de receber e dar”, diz o artista.

Então há que se reconhecer o que Chico já fazia desde o primeiro disco. Não é somente música, nem poesia. Chico escreve crônicas, diz amenidades enroupadas em belas sonoridades, faz jornalismo, com nacos de notícias cantadas.

Mas o que temos entre ouvidos, é uma longa crônica urbana, entremeada pelos cheiros das frutas tropicais, e os ecos do sertão, suas sonoridades, suas sanfonas e violas.

A cada música, é como abrir uma página desse livro de crônicas, para se experimentar uma trajetória que parece, está num dos seus melhores momentos de “língua solta”, do “verbo encarnado”, “das almas atentas, antenas entre si, entrelaçadas”., como ele mesmo canta na música Museu, repetindo até o deliciamento, “do somos, do som, do eco”.

O rumor, a alegria, a canção poético-romântica, sempre fizeram parte dos discos de Chico César, que deu ao seu público, “Cuscuz Cla”,” BELEZA MANO”, “MAMA MUNDI”, “AMÍDALAS”, “RESPEITEM MEUS CABELOS, BRANCOS”, e ainda outros.

Em “Estado de Poesia”, ele veio com uma sandália, “daquela de brasileiro, chinela que no chão pisa e faz um chiado ligeiro”. Vestiu-se com uma camisa, “feita de brisa”.

O cd é assim, leve, como se fora feito de brisa, mas não se iludam. Na décima terceira canção, o poeta aponta sua língua afiada para os agropecuaristas, os industriais da alimentação e do escândalo que é, o uso dos agrotóxicos no Brasil.

O compositor de “Mama África” é ele mesmo, tão jovem e aqui, tão paciente, em estado de poesia absoluta, na arte de compor e cantar. O novo cd é mesmo um presente para os vivos, uma colheita da fruta madura, com seu timbre de melado e laranja temporã, tão boa, tão boa…

 

(este post será publicado amanhã, em minha coluna impressa do Jornal A União)