Sequestro da Normalidade

 

Enquanto escrevo a coluna, assisto consternada às notícias sobre o último atentado terrorista ocorrido na Bélgica. Pessoas tocando suas vidas, e de repente, numa sequência de atos inusitados e violentos, tudo se interrompe. Dezenas de mortos, o ponto final decretado no meio de uma crise profunda que não ouso comentar aqui, dada a sua complexidade.

O intuito hoje, ainda é comentar a situação brasileira. Enquanto que a maior parte dos países ricos do mundo amargam uma crise sem precedentes, ampliada pelas ações terroristas que lamentavelmente ainda se concretizam, desafiando a segurança e a inteligência, nosso país precipita-se há cerca de dois anos, para uma crise que penso, vive nas últimas semanas, uma das suas fases mais agudas.

No centro da crise, está a operação Lava Jato, com sua promessa de combate à corrupção que infesta a prática política, a soldo da classe empresarial. Falo em promessa, mas percebo o desbotamento desse objetivo, por conta da sanha com que o juiz Sérgio Moro foca num único partido, a mão firme com que assina medidas flagrantemente avessas ao que prevê a prática judicial e dá

publicidade aos seus atos insanos na maior cadeia de comunicação do país.

É flagrante o processo de partidarização da Lava Jato. Como se um Deus poderoso, investido do apoio da mídia comercial privada e de parte do judiciário, determinasse um bode expiatório, o Partido dos Trabalhadores, e o submetesse à uma execração pública sistemática, fortalecendo no parlamento, o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Há quem diga que sequestrou-se a ética, o estado democrático de direito. Eu penso que os dias que vivemos demonstram que temos perdido irremediavelmente nossa normalidade. É verdadeira a afirmação feita por Wagner Moura: Não se consegue mais conversar com aquelas pessoas que têm ódio do PT.

O mais grave dessa situação, é que as correntes do ódio derretem grupos de amigos nas redes sociais, e mesmo grupos familiares, que se enfrentam e se separam, diariamente, movidos pela impossibilidade de tolerarem a ideia do contraditório.

Sim, perdemos o direito à normalidade. Amigos frequentemente me relatam que já não conseguem dormir direito. A busca pelas redes sociais, a batalha que ali se trava, são demonstrações da vigília permanente a que está submetido o extrato da população que não aceita os rumos da política e a crônica anunciada de um fim terrível.

Execrar um partido, lutar pelo seu extermínio, é expressão de um movimento fascista, que aplaude o estado de exceção e ecoa a mentira mil vezes repetida, de que o Partido dos Trabalhadores é uma quadrilha de criminosos instalada no poder e responsável por todos os processos de corrupção recentes.

Vivemos pois, a instalação do estado policial no judiciário, e no parlamento, a prática da política cínica. Noventa por cento dos parlamentares que atuam na comissão do impeachment da presidente estão citados na Lava Jato, dirigidos por um presidente da Câmara completamente envolvido em processos de corrupção e de lavagem de dinheiro.

O país caminha para o precipício, enquanto midiotas alimentados por um jornalismo publicista da pauta única cantam o hino nacional. Perdemos a normalidade, e só nos resta lutar de cabeça erguida contra essa derrocada.

 

Este post foi publicado na minha coluna impressa do Jornal #AUniao, na última quarta-feira, quando ainda não havia sido vazada a lista da Odebrecht, nem tinha ido ao ar a última edição do Jornal Nacional.

A Fabulação da Mídia: Por um Caçador de Corruptos

Tudo já foi dito sobre os protestos do último domingo, que desta feita expressaram com mais clareza, o profundo fosso que vem se criando, entre a classe política e a sociedade brasileira. Emblemas dessa realidade, foram os xingamentos ofertados em alto e bom som, aos líderes do PSDB e DEM que foram à Paulista, e a hostil recepção à pré-candidata pelo PMDB daquele estado, Marta Suplicy.

Resta-nos uma conclusão óbvia, se extratos da política visavam capitalizar a manifestação das ruas, todos foram perdedores. A pergunta que se impõe, agora, é saber, quem perdeu mais, quem perdeu menos.

Para os atores da política, acendeu-se a lanterna amarela. Se hoje pede-se o impeachment da presidente Dilma e a prisão para o ex-presidente Lula, essas parecem ser, para os manifestantes do domingo, a tarefa prioritária. Amanhã esta mesma população pode erguer-se contra os líderes políticos que no parlamento, também lutam pelas duas agendas.

Mas há um terceiro e estratégico ator desse processo que também perdeu no domingo e vem perdendo progressivamente a batalha simbólica empreendida em favor da destruição do partido dos trabalhadores e de uma esquerda simpatizante ao governo Dilma. Esse terceiro ator é a mídia comercial privada, que escudou-se no discurso jurídico e político para construir a narrativa fabular de que o Partido dos Trabalhadores constituiu-se como uma quadrilha criminosa para assaltar os cofres do país e assim conformar-se como um polo de poder na América Latina.

Essa fabulação, ora com tons mais fortes, ora com menos influxo, vem sendo reproduzida desde o início do primeiro governo Lula, atingindo, na atualidade, o auge da sua força.

O esforço que reuniu o discurso jurídico, a narrativa política de direita, e as estratégias midiáticas, no sentido da difusão do processo de desgaste do presidente Lula e do governo Dilma, rebateu no domingo, em uma massa que verdadeiramente não está comprando a fábula como ela vem e promete fazer valer a força da chamada “voz das ruas”

A voz das ruas encheu de espanto e perplexidade, os políticos, os juristas, e à própria mídia, que permanentemente teve de retificar imagens, desligar microfones e omitir notícias que entretanto pipocavam estrondosamente nas redes sociais e na blogosfera.

A voz do domingo já elegeu seus líderes políticos: Abraçou-se a Jair Bolsonaro e fez louvação, em camisetas e cartazes, ao juiz Sérgio Moro.

Para os políticos que apostavam nas manifestações como o pavimento para o impeachment, resta um breve recuo, o pesar e medir da situação, a adoção de novas estratégias. A mídia, por sua vez, prosseguirá na sua fabulação suicida, à espera de que um imponderável aconteça, e assim ela possa investir todo o seu capital técnico manipulatório na derrocada final do governo petista.

Estará a mídia privada trabalhando na construção de um “caçador de corruptos”, tal como fez nos anos oitenta, ao colocar no topo da política brasileira, “o caçador de marajás”?

Se estas impressões se confirmarem, é possível que num futuro breve, a legenda do PSDB acolha Sérgio Moro e o coloque no centro da disputa em 2018. Já o eleitor, esse agente flutuante, imprevisível e escorregadio, não se pode prever para onde irá, quando chegar o tempo da colheita.

O Príncipe e O Metalúrgico

Era uma vez, uma velha rainha chamada República, que vivia com seus dois filhos numa casa grande, sendo o mais velho deles conhecido como O Príncipe, enquanto que o mais novo era conhecido como Metalúrgico.

A rainha distribuiu aos dois, em proporções semelhantes, doses de coragem e de vaidade, e ao Príncipe, por ser mais velho, entregou o governo da casa grande por oito anos.

Tendo estudado a fundo, tanto nos Estados Unidos, na Inglaterra e França, os mistérios das sociedades latino americanas, tendo mesmo elaborado a sua Teoria da Dependência, o príncipe governou a casa grande em sintonia com o capital internacional, e, internamente, em íntima ligação com a rede de televisão global. Gabava-se de ter aberto as portas do reino da República para o neoliberalismo, vendeu companhias de aço e de ferro, privatizou a telefonia, comprou sua reeleição, mas, espertamente, tinha a seu serviço, o engavetador geral da República, que não permitia que sua mãe, tampouco os outros súditos, ficassem sabendo das suas peripécias.

Finalmente chegou a vez da República entregar ao Metalúrgico o mando da casa grande. Metalúrgico era muito diferente do Príncipe. Se alfabetizara em um grupo escolar do interior do país, não falava inglês, tinha tido por longos anos, a companhia da fome, tinha perdido um dedo numa indústria do ABC, mas foi avante, organizou um partido político e começou a sonhar com um país mais justo para todos.

Pois bem, sua mãe, a República, entregou-lhe o governo da Casa Grande também por oito anos, e Metalúrgico disse que sua primeira tarefa seria cuidar da fome que ele tinha de acabar com a fome dos seus súditos. À socapa, o príncipe sorria do irmão pobre. De fato, o reino da República era habitado por dragões achacadores, e, os donos do capital, queriam mais capital, pelo que Metalúrgico resolveu aliar-se a todos eles.

Minimizou os efeitos da fome, e, por não ter um diploma universitário, como seu irmão, construiu mais escolas técnicas, universidades, onde acolheu negros, pessoas com deficiência, e sobretudo os mais pobres.

E fez mais, o humilde Metalúrgico. Quando chegou ao fim o seu reinado de oito anos, quis que uma mulher o substituísse no comando da casa grande, e assim foi feito.

O Príncipe não gostou do que via. Então era o Metalúrgico que ganhava fama internacional, elogios públicos do presidente dos Eua, e ainda por cima ganhava mais dinheiro do que ele em palestras pelo mundo a fora?

O príncipe queria de novo o mando da casa grande, mas, apesar de contar com apoio da rede global de tevê, que todos os anos criava uma pauta única contra Metalúrgico e sua sucessora, não conseguia mais os votos necessários para recolher ao seu próprio cofre a chave da República.

Foi então que a rede global de tevê deu início à Guerra Midiática contra Metalúrgico. Tinha expertise em manter e derrubar governantes, apoiara os mais de vinte anos de ditadura, derrubaria o Metalúrgico com edições diárias da Pauta única. Metalúrgico faz a regra do jogo, é o líder maior da quadrilha que se instalou na República. Era esse o script, pelo qual trabalhava o exército da rede global de tevê. Assim foi feito.

Essa estória não teve ainda nenhum final feliz. Metalúrgico é tão vaidoso quanto o Príncipe, mas, a sua vaidade radica nas coisas que fez. Tirou a república do mapa da fome, democratizou a educação, fortaleceu as instituições de fiscalização e de controle, desfez a dependência com o FMI, e, ergueu as cabeças dos seus súditos pobres. Esse é o grande pecado que o Príncipe não perdoa.

 

O Jornalismo Comercial quer Audiência, mas não se preocupa com Ela

Essa é a conclusão a que chego nesta semana em que a operação midiática, bombardeando sua audiência com fatos e boatos sobre a Lava Jato, alcança picos impressionantes.

Hoje, com a expansão das redes sociais, já não podemos falar em leitores de jornal, mas antes, em audiência. Em minhas aulas de jornalismo, eu costumo dizer que esta audiência receptora foi reabilitada, tem uma janela de onde fala, protesta, reage, critica.

Há que se avaliar porém, uma hipótese perturbadora. A mídia comercial busca essa audiência, mas não se importa minimamente com a sua reação, suas críticas, seus protestos.

Os portões da comunicação foram arrombados. O círculo redacional não é mais um ambiente circunscrito aos jornalistas. Agora, de qualquer lugar, a audiência, através de menções ou hashtags, implica, critica, reclama por uma retificação, mas recebe em troca, o monopólio da pauta única, dos boatos divulgados pela manhã, como pautas bomba, para serem desmentidos à tarde, em pequenos espaços de retificação.

Onde será que vai parar a avalanche de mêmis,de críticas e repercussões, dirigidas às redações e portais? Que tamanho terá a lixeira virtual da mídia comercial privada?

O profundo divórcio entre jornalismo e pluralidade amplia-se, a audiência das grandes redes televisivas despenca vertiginosamente, entretanto o modelo da pauta única prossegue, alastrando boatos, evidenciando circunstâncias mal apuradas, ignorando claramente outros fatos envolvendo poíticos ou sonegações milionárias de empresários, em clara sintonia com uma oposição irresponsável, em estreito vínculo com os velhos ditames de uma economia neoliberal.

Rasgaram-se os manuais de redação, cospe-se no código de ética dos jornalistas. Retificações e desmentidos enchem o dia a dia dos tele jornais e dos portais de notícias online, enxovalham-se personalidades e carreiras, e tudo se faz com o sorriso nos lábios dos ancoras de tevê.

O modus operandi já se instituiu como a prática corrente no processo de produção e distribuição das notícias. Uma revista de circulação nacional lança a matéria bomba do início da semana, que depois é repercutida até as últimas consequências em toda a cadeia. “A notícia caiu como uma bomba”, “o governo está assustado”, “, “Dilma está muuuuito preocupada”, essas são algumas das frases de efeito ecoadas e repetidas ao longo da semana.

Há mais. Fatos que não são notícia ganham a centralidade da cobertura no horário nobre, veja-se por exemplo o caso dos pedalinhos. A pauta única, a música de uma nota só, é empurrada sem qualquer artifício, pelos escoadouros da comunicação.

E os gritos da audiência? Suspeito que nas redações, eles não merecem senão, o perpétuo o encolher de ombros, o ricto de desprezo, como se esta não passasse de um primo do mosquito transmissor do Zica vírus, que é preciso ignorar e combater.

A audiência não tem mídia, senão o alerta apressado nas redes sociais, que cai na vala comum da indiferença. A mídia é na verdade, o braço mais estratégico de um modelo elitista de poder, que busca solapara frágil democracia, para reinstalar a política do arroxo, do enfraquecimento dos movimentos sindicais e sociais, uma economia privatista sintonizada com os ditames do capital internacional, que internamente, é conformado por um conjunto de empresas que sonegam, corrompem e difamam, inclusive, parcela importante das empresas de mídia.

Como diria Bakhtin, toda mensagem tem um claro endereçamento. . As mensagens midiáticas de agora, em sua alta circulação e repetição, a curto prazo, pretendem alimentar as manifestações pró impeachment marcadas para o dia 13 de março. A longo prazo, querem criminalizar o partido que ainda é o favorito nas eleições de 2018.

A Semana mais Longa

Ontem pela manhã, fui à Reitoria da UFPB, em missão pedagógica do Programa de Pós-graduação em Jornalismo, na companhia do meu colega Professor Pedro Nunes. Ali chegados, constatamos que não poderíamos levar a cabo a nossa missão. Todos os gabinetes da reitoria estavam fechados, e, na entrada principal, achavam-se reunidos dezenas de estudantes, professores, representantes dos Direitos Humanos e diretores de centros.

O processo, que já poderia ter se encaminhado para uma solução pacífica, tende a radicalizar-se. Era o sétimo dia da greve de fome de quatro estudantes, acorrentados em defesa de moradia e alimentação para os estudantes do interior, além de outras reivindicações. A ocupação do prédio da reitoria, era ao mesmo tempo, um gesto de solidariedade, de manutenção de uma vigília permanente ao lado dos estudantes em greve de fome. Era também uma tentativa para acelerar uma solução vitoriosa para as suas reivindicações.

Diria que estamos vivendo uma das semanas mais longas de tensão dentro da universidade, e que pode ter consequências nefastas, caso fracasse o estatuto do diálogo, da negociação, caso seja inviabilizada, pela prerrogativa da judicialização, a instância do entendimento, tão indispensável nos dias que correm.

A luta estudantil sempre foi uma constante no âmbito da academia. Os movimentos estudantis participaram vivamente da luta contra a ditadura militar, em favor das eleições diretas, assim como pelo impedimento do ex-presidente Collor de Melo. Internamente, em cada universidade, estudantes organizam-se por melhores condições de ensino, ou mesmo em defesa de outras causas, legítimas, no círculo do debate universitário.

Aqueles que decidem pela greve de fome, nunca estão brincando. Apostam no gesto como um último grito de alerta, a fim de que suas reivindicações sejam ouvidas. É um modo dramático de se fazer avançar o relógio das negociações, de se apressar a chegada do último minuto, aquele primeiro minuto de um fim pacífico, aquele minuto em que se recomeça de novo, com diálogo e com providências para que se recupere a normalidade, os dias de aulas, os dias de trabalho nas instâncias de gestão.

A expansão universitária levada a cabo no país, nos últimos dez anos, calcada sobretudo na criação de novos cursos, e consequentemente na ampliação das vagas, tem colocado a nu, as perversas condições do gerenciamento de um cotidiano formado por uma superpopulação universitária, com orçamentos cada vez mais minguados. Os problemas explodem na qualidade das salas de aulas, dos laboratórios, e, no caso particular, na assistência estudantil, sobretudo para os estudantes vindos do interior do estado e de outras regiões.

A ocupação da reitoria da UFPB, não deve ser tratada como um ato de rebeldia, ou mesmo como um ato de disputa política. Essa ocupação envolve problemas reais, que devem agora estar na agenda de toda a comunidade universitária, problemas que pedem aos gestores, pressa numa solução fundada no diálogo e em prol da harmonia dentro do campus 1.

Para além das reivindicações, temos estudantes muito debilitados, entregando seu sacrifício para que haja vitória em favor de todos. Que os leitores da coluna possam dizer, ao final da mesma, que esta notícia é velha, que a semana mais longa da UFPB já chegou ao seu término.

 

Este post foi publicado hoje em minha coluna impressa do Jornal A União