Beto, Valéria e um Punhado de Reflexões

“Quem Manda no Mundo”? Essa foi uma das dicas de leitura que Frei Beto deixou para nós, por ocasião da quinta edição do ciclo de debates Pense, realizado na última quarta-feira para uma plateia formidável, em qualidade e quantidade, que lotou a sala maestro José Siqueira para ouví-lo falar sobre cidadania, democracia, luta por um projeto para o Brasil.

Foi uma noite para se guardar na memória, pela maestria e lucidez da visão de Frei Beto sobre conjuntura política, formaçãoe valorização dos movimentos populares, governos Lula e Dilma,e mais, muito mais.

O começo de tudo, naquela noite, foi de uma força e de uma beleza   que dificilmente saberei descrever em palavras. Valéria Resende, a mediadora do debate, com sua voz grave e melodiosa, desmontou os protocolos para nos falar de Beto, não o
Frei, para nos falar de Beto, o seu irmão, que   desde a adolescência, postou-se no centro das lutas por uma igreja viva e solidária, e depois, mergulhou na luta política e na formação das bases populares em diversos países do mundo, a luta contra a desigualdade e a pobreza.

Valéria Resende, que carrega na bagagem três Jabutis e um prêmio “Casa de Las Américas”, por sua literatura de peso, ofereceu-nos, pois, aquela lição de simplicidade e afeto, desenhando para nós, a figura de Frei Beto quando jovem, os sonhos de ser escritor, os quatro anos em que foi preso pela ditadura, os papéis que pediu que ela guardasse, para que não se perdessem memórias dos tempos de prisão e de exílio.

Ali, na sala Maestro José Siqueira lotada por uma plateia atenta e e silenciosa, Valéria foi desenhando em letras grandes, uma espécie de longa carta tecida pelo afeto, a amizade, a solidariedade, o respeito e a admiração que marcaram a trajetória dos dois amigos, e que a escritora nos ofertou generosamente como um presente para a memória.

Frei Beto compreende o mundo por uma baliza ao mesmo tempo muito simples, mas exata. A valorização do humano e das suas culturas, a luta permanente contra a desigualdade, a esperança e o otimismo como combustíveis que devem nos alimentar nesses dias difíceis vividos pelo país.

Com uma voz forte e vibrante de entusiasmo, ele nos deu lições da história dos últimos cinquenta anos no Brasil, desenhando os cinco ciclos mais importantes do período: Os anos anteriores à ditadura, quando nascia na igreja católica, o importante movimento das comunidades eclesiais de base; o ciclo da ditadura, a redemocratização, os anos oitenta e a eclosão dos movimentos sociais de massa; as eras Lula e Dilma, os erros e as conquistas. O tempo em que vivemos, onde tudo, primeiramente, começa com o repúdio a esse governo ilegítimo.

Frei Beto disse o que já sabemos, mas, postulado pela sua voz, tem a força da irresignação: No mundo, apenas oito famílias concentram  mais da metade da riqueza produzida. O capitalismo não é um sistema humanizado. O consumo exacerbado, individual, a exploração descontrolada das matérias primas, são dilemas e desafios contra os quais devemos lutar.

Deixou-nos dicas de leitura, como a recomendação para que buscássemos as encíclicas escritas pelo Papa Francisco. E pediu que lêssemos o livro de Noam Chomsky, “Quem manda no Mundo”?

 

(Este post foi publicado na última sexta-feira, em minha coluna impressa do Jornal A União)

Entre Capas e Manchetes: O “Pacto de Sangue” da Rede Globo

Mal terminava na última quarta-feira, o depoimento do ex-ministro Palocci ao juiz Moro, e o advogado que cuida da sua delação ofertou à imprensa as deixas principais que fariam parte das edições da noite. Com ímpeto renovado, o Sistema Globo de Comunicações deu curso à sua cobertura de guerra contra o ex-presidente Lula, seguida no mesmo tom, por todos os outros sistemas comerciais privados.

Antes de qualquer coisa, permitam-me fazer uma declaração importante. Não habito o planeta daqueles que julgam que o ex-presidente Lula não haja mergulhado na estrutura política herdada dos governos FHC, na qual o voto popular é somente um ingrediente fraco na luta pela democracia. Interesses empresariais sempre estiveram à frente da política, e, infelizmente, sobretudo em candidaturas de coalisão, compram antecipadamente os mandatos para os quais candidamente, milhões de votos são depositados em urnas. Aconteceu assim também com os governos do PT, ainda que tenham sido estes que criaram as condições para que se fortalecessem, o Ministério Público e a Polícia Federal.

As duras lições que se tiram desses últimos dois dias frenéticos, entretanto, são as mesmas com as quais venho trabalhando ao longo desses últimos dois anos, em muitas das minhas colunas. O sistema Globo de Comunicações tem atuado com determinação no sentido de destruir a figura política do ex-presidente, pondo a serviço dessa empreitada, o melhor das suas estratégias: Tematização, onipresença e ubiquidade do tema da criminalização de Lula em todos os seus programas políticos. Editoração de capas, com publicidade subliminar de reforço ao tema, efeito enciclopédico para “recordar” à sua audiência,  passagens antigas do enredo jurídico/midiático que já trouxe a república à uma situação insustentável.

No sistema Globo, pratica-se o que eles chamam de “bom jornalismo”, que assim que é divulgado, encontra uma chuva de críticas nas redes sociais e na imprensa independente, que evidencia as marcas grosseiras da manipulação, da edição e de uma cobertura orientada para a destruição do Partido dos Trabalhadores e do seu líder maior.

E, para não ser injusta, o certo é que os outros sistemas comerciais privados seguem como mansos cordeirinhos, o mesmo diapasão da cobertura encabeçada pela rede Globo. A mídia, é bem verdade, fez um “pacto de sangue” com o empresariado, com o mercado e com o judiciário, para implodir de vez a liderança de Lula.

Esse pacto ora recrudesce, ora é retomado em todo o seu vigor. Nos últimos dias agudizaram-se sobremaneira essas estratégias.  Lula voltou a ter centralidade na grande mídia, com manchetes de uma virulência corrosiva e devastadora, e com atuação sincronizada da tv, do rádio, dos portais e do cinema, que em todo o país, estreou hoje, o polêmico filme monotemático, “Polícia Federal, A Lei é para Todos”, onde o enredo conhecido vem sendo despejado há anos na cabeça da audiência dos telejornais da Globo.

O enredo telenovelesco já dura mais de treze anos, e sempre que algo sacode a república em seus alicerces, e ameaça as instituições e sua vasta sacola de adjetivações, honorabilidade, respeitabilidade, imparcialidade, ética e moral irrestrita, sempre que a lama dos palácios ameaça apresentar-se em toda a sua sujeira, e ainda que fortunas escusas jorrem de malas e caixas, assaca-se novamente o tema central, Lula e o quadrilhão do Pt.

É a velha fórmula de sucesso, arrumando em manchetes editadas, a antiga luta entre o bem e o mal. É o velho esquema a exibir um diagrama perverso, que se vende como “bom jornalismo”, mas, infelizmente, só nos apresenta o cadáver decrépito da imprensa brasileira.

E antes que comecem a me chamar de “petralha comunista”, façam um pequeno exercício: Comparem as coberturas: O que se disse sobre a denúncia feita por Janot sobre Serra: E os milhões de Aécio, como foram cobertos? O silêncio de Gedell, a estranha prisão de Eduardo Cunha, como é a cobertura da mídia sobre esses fatos?

Em política, os santos são bem raros. Olhemos porém, para a lista dos demônios da rede Globo, quase todos eles são vermelhos.

 

(Com pequenos ajustes, este post será publicado amanhã, em minha coluna impressa do #JornalAUniao)