As Pedaladas de Dilma

A cada semana, sob o ruído intermitente da repercussão da operação Lava-jato, que a mídia se ocupa em reverberar, em todas as suas tonalidades, surge um fato novo para erguer as manchetes contra o governo Dilma.

Como se vivêssemos uma espécie de processo de escavação, lenta, porém furiosa, a qual pudesse desgastar os alicerces, fazer ruir a casa inteira, desde as suas fundações, implodir qualquer vestígio da sua existência, casa esta que não é senão, metaforicamente, o partido dos trabalhadores.

O último achado veio para a imprensa batizado como “as pedaladas de Dilma”. Explicando em linguagem leiga, o governo teria solicitado aos bancos públicos para fazer pagamentos de bolsas de programas sociais, cujas parcelas depois seriam quitadas.

De posse do achado, como se renovados com novo salário, os partidos de oposição redobraram seu trabalho de escavação. A ideia do impeachment, que parecia ter perdido força após os resultados das manifestações do dia 15 de abril, ganhou um novo fôlego, reaparecendo nos discursos parlamentares, sendo desfolhadas em atividades de políticos, e, naturalmente, ganhando espaços centrais na mídia brasileira.

O senador Cássio Cunha lima, com a oratória que lhe é própria, defendeu ardorosamente o impeachment da presidente, na condição de líder do PSDB no senado, fazendo-nos lembrar da sua própria cassação, por conta de malfadados cheques que segundo ele mesmo disse em sua defesa, eram para as pessoas pobres da Paraíba não morrerem de fome.

A última bala de prata porém, já parece ter vindo com seu poder de fogo estragado. De um lado, acusa-se o governo de ter pedido dinheiro emprestado aos bancos públicos para o pagamento de programas como o Bolsa Família, Bolsa Escola, entre outros programas que são, na verdade, curtos passos decisivos no sentido de distribuir-se uma pequena fatia da renda do país entre os mais pobres.

Por outro lado, ao revolver-se o calibre da tal bala de prata, verificou-se que a prática já era usual nos governos FHC, e dados dessa história recente comprovam que o sociólogo pedalava com maior desenvoltura, em processos que nada tinham a ver com políticas sociais.

Enfim, o caldeirão continua a ferver, com a única sopa que ainda rende suas boas manchetes, ou seja, a operação lava-jato. O modus operante é muito claro e já não apresenta qualquer disfarce. O jornalismo de revista, reverberado pelos veículos de rádio e tevê, repercutem dioturnamente a história construída à força de técnicas de enquadramento, seleção e repetição: O Partido dos Trabalhadores é o mais corrupto da história desse país, e a sua legenda precisa ser extinta.

A força dessa história, solapa da cobertura midiática, uma crise de fundo, que está no centro do parlamento brasileiro e que ameaça flagrantemente a frágil democracia do país. Sim, a recente democracia elegeu o seu parlamento mais conservador, que tem se servido da imprensa para fazer o Brasil recuar e encaixar-se novamente aos trilhos do capital mundial e dos seus interesses.

 

Este artigo será publicado amanhã, em minha coluna no Jornal A União

Antes que os Drones Cheguem

O jornalismo mundial vive uma crise sem precedentes. No que toca aos postos de trabalhos dos jornalistas, o fenômeno que ficou conhecido como “a revoada dos passaralhos”, tem se espalhado pelas empresas, pondo fim a milhares de postos de trabalho, com uma rapidez inquietante. A crise mais recente do capitalismo, ladeada pelas transformações que o paradigma tecnológico traz para os processos da divisão do trabalho, rearticulação de funções, que têm sido cada vez mais delegadas à autonomia das máquinas, parecem ser os principais fatores deflagradores dessa crise.

Se nas sociedades anteriores as que agora vivenciam as mudanças vividas no século XXI, o jornalismo tinha a primazia da coleta, investigação e distribuição da informação, hoje, vem perdendo esse lugar de centralidade, visto que as sociedades estão permanentemente no que poderíamos chamar de “esfera conectada”, ali onde todo mundo tem acesso à informação ao mesmo tempo.

A mídia comercial brasileira entretanto, parece não ter ainda compreendido essa retumbante lição. Produzindo informação para um público específico, uma classe dominante sintonizada com os interesses do capital mundial, e, no caso brasileiro, empenhada em responder à face mais reacionária da política, a mídia comercial ignora as vozes plurais da sociedade, despreza a variedade das suas expressões, e, parece passar ao largo dessa esfera da opinião pública conectada, a qual também produz, distribui e recebe informação.

A mídia comercial brasileira, com raríssimas exceções, transformou-se num partido de voz única, divorciando-se completamente do ideário clássico pensado para o jornalismo, tido como sustentáculo das democracias, como vigia e defensor dos cidadãos, como caixa de ressonância das vozes plurais da sociedade.

Mídia e sociedade vivem um divórcio que parece não ter, a longo prazo, forma alguma de reconciliação. Por outro lado, o trabalho distribuído e entregue à sociedade pelas empresas de comunicação, fere de morte o exercício do jornalismo, inibe, quando não oblitera completamente, o discurso crítico, interpretativo, colocando no ar, uma cobertura tão pífia que não precisaria sequer de cérebros, de trabalho de pensamento, para tal produção.

De fato, quando os drones chegarem à prática jornalística, quando robôs deixarem de ser mera novidade em feiras científicas e substituírem cérebros de humanos em coberturas de grandes eventos, a sociedade não sentirá diferença alguma. A cobertura insípida, redundante, crivada de adjetivos que a mídia tem produzido, talvez seja um pouco melhorada, quando os robôs trabalharem com seus algorítimos de produção de notícias, quando os drones chegarem para as suas coberturas.

Antes que os drones cheguem, antes que invadam de vez o trabalho de produzir e distribuir notícias, o que se oferta à sociedade, é um jornalismo panfletário, uma espécie de new lacerdismo,crivado de imperícias na apuração e coleta dos dados, arenga apressada e homogênea, , ecoando em todas as mídias,

 

A Flor de Lyra

às vezes você vê a sua cidade pelo olhar do outro, o que chega de fora, e se instala aqui como se já tivesse pisado a terra, passeado pelas ruas, esperado em algum umbral, para perguntar sobre onde fica tal rua, o nome de uma flor..

Bernadette Lyra, capixaba, professora de cinema, escritora, chegou em João Pessoa no dia 31 de março, e, ao tocar o solo paraibano, as cordas íntimas da sua genética tocaram com força o seu coração, e como que lhe entregaram o lençol branco e cheiroso da sua avó Amélia, como que lhe abriram de par em par as portadas da terra e lhe disseram, Aqui nasceu sua avó, aqui é também a sua casa.

Foi ver o mar, e, tomou conta de si, a alegria de inventariar a mornidão das águas, e conheceu os ditos da brisa, enfiando seus segredos nas palhas dos coqueiros.

Fotografou sacralidades, tecidas em azulejos antigos, na Igreja de São Francisco. Na casa da Pólvora, viu a faixa do rio Paraíba, marejar nos seus olhos, diques de uma emoção intensa, rompendo-se em mais alegria genuína.

E por toda a cidade, como a lhe dizer bom dia, como a lhe puxar pela mão, como a lhe chamar, dos recantos mais improváveis, Bernadette Lyra viu aquele pequeno cálice branco, nos jardins, nas cercas verdes, na praia, nas entradas dos restaurantes, por entre os gramados da faculdade.

Queria saber o nome da flor, encantada pela sua brancura, admirada pela força da sua presença, impondo-se como delicada notícia sem nome, como cálida saudação, nessa cidade cuja vocação é florescer, entre o mar e o rio.

Seria copo-de-leite? Seria jasmim? Lírio branco? Nos umbrais, esperou pelo nome da flor, mas ninguém sabia. Nos restaurantes, garçons apressados deram-lhe o de sempre, “não sei, senhora”.

Viajou com a promessa de que eu lhe enviaria por sms o nome da flor.

No dia seguinte, intrigada, toquei o cálice da flor, contei suas cinco pétalas macias, aspirei o perfume tão suave que ela tem, de seiva amanhecida, de primavera, tão fugaz, que pode passar despercebido entre os bafos do trânsito da cidade. Retomei a faina de indagar, nos umbrais, nas portadas, nos restaurantes.

Ninguém sabe o nome dessa flor branca, de uma alvura tão intensa que chega a doer nos olhos, nascida de um arbusto vulgar, e que tocou a alma de Bernadette,aguçou sua curiosidade, seguiu-a por toda João Pessoa, como uma espécie de telegrama aberto, e, em alguma medida, indecifrável.

Só damos nomes às coisas que vemos, as coisas que se apossam de nós, e nos invadem com sua presença. Como essa flor branca, florescendo por toda João Pessoa, da qual ninguém sabe o nome.

Por isso decidi chamá-la, a flor de Lyra. A flor de Lyra, esse pequeno poema branco, com suas cinco sílabas, ecoando por todo lado dessa cidade.

(este post será publicado amanhã, em minha coluna impressa do Jornal A União)