Rumores do Jornalismo

Vai chegando a hora daquele tete-à-tete com os leitores, a hora das 36 linhas da coluna, e você pensa: O que vou dizer a eles? O que vou escrever? Não quero desperdiçar papel, não quero desperdiçar espaço, mesmo se for para embrulhar o peixe do dia seguinte, quero que haja dito coisas essenciais no jornal de hoje.

Quantos estão pensando sobre isso agora? Repórteres, editores, plantados em lugares estratégicos no mundo todo, farão eles esse exame de consciência? Sentirão esse vago amargo na boca do estômago, essa sensação de que há palavras de mais no mundo, e quase nenhuma é essencial?

Desde que se inventou o jornal, e desde que se consolidou a forma moderna de se fazer jornal, em meados do século XIX, a cobertura tem se especializado em priorizar algumas tendências: Violência, Tragédia, Celebridades, Economia, política, com todo o seu agregado de corrupção, cultura, esportes, lazer.

Imagine que o jornal seja o supermercado das notícias. Você chega com seu carrinho de necessidades de informação e pergunta: “|O que temos hoje”?

O vendedor entrega-lhe as letras garrafais da décima sexta fase da operação Lava Jato. Essa é a mercadoria de primeira ordem no Brasil e se mantém à venda, com cotação artificial ou não, já há mais de um ano.

Na Folha, no Estadão, em todos os portais de notícias, só se fala da prisão de mais 31 pessoas, com os números milionários da propina.

Enfastiada, você pede outra coisa. “Algo que venha de fora por favor”.

Feito um vendedor de badulaques, barulhento e insidioso, as manchetes se impõem como se gritassem: “Veja um raio-x das 16 fases da operação Lava Jato”! Você olha para mais longe, procura outra coisa, e dá de cara com outra manchete terrível , porém, com um milagroso e provisório final feliz: “Exército peruano resgata crianças reféns do Sendero Luminoso”!

E eis que na sua busca, você topa com outro caso rumoroso e trágico: “Polícia de caso Madeleine investiga corpo de menina descoberto na Austrália”!

Com um vago alívio, você segue a pista da notícia. Vai célere, pulando cabeçalhos, banners publicitários, e estaca cheia de horror. Restos mortais de uma criança, entre dois e quatro anos, encontrados dentro de uma mala, próximo à uma rodovia, nas cercanias da cidade de Adelaide, onde fica isso? Na Austrália, informa a reportagem da BBC.

Você há de se lembrar, por causa do mistério. Você talvez se lembre, porque era apenas uma menina de três anos, em férias com seus pais, numa praia do Algarve, em Portugal. Madeleine desapareceu misteriosamente em 2007, e agora essa mala, esse corpo, essas trinta linhas de jornalismo frio, sobre a sua tela, e esse meu jeito de gritar para dentro, uma angústia que não pode ser descrita em times new Roman.

 

As Notícias não nos Contam Nada

Meio minuto talvez, mas era a notícia sobree a inauguração da nova cidade reconstruída em um dos vilarejos destruídos pelo tsunami ocorrido no Japão em 2011. O repórter falou rápido, talvez premido pela agenda do tempo de tevê. Nem entendi direito o nome da nova cidade.

Querendo saber mais, fui ao G1, e lá encontrei dezessete linhas sobre o acontecimento. Fiquei sabendo que a cidade se chama… benditos control c contro v, a cidade se chama Tamaura-nishi, e recebeu ontem seus primeiros moradores, vindos de seis cidades que foram destruídas pelos terremoto e tsunami ocorridos em 2011 no nordeste do país.

A cidade recebeu 833 moradores, que vão dividir as 315 casas.

Fechada a notícia em seus números frios, o telespectador mais atento, o leitor mais percuciente, engole em seco, e se prepara para o tsunami de questões que então passa a formular.

Quantas famílias terão ficado intactas? Há órfãos? Em que casa vai viver a menina pequena que ficou sem os pais? Quantos idosos desemparelhados vão para casas desemparelhadas?

Recordo que na notícia da tevê, Evaristo Costa exibia o seu sorriso mais otimista. Estava alegre. E então me pergunto, terá havido alegria nessa primeira ocupação?

Suspeito que sobretudo os jovens estavam alegres no primeiro momento de chegar, abrir pela primeira vez a porta nova da casa nova, precipitar-se para dentro, desembrulhar pequenos volumes dos seus pertences.

Suspeito que os velhos não estavam alegres. Suspeito que neles houvesse uma contenção de gestos, um respirar sutil mas nervoso, um vazio no estomago, um vago suor nas mãos enrugadas.

A tragédia do Japão foi de tal magnitude, que fica difícil medir esse acontecimento da inauguração da cidade em dezessete linhas, ou em menos de um minuto de tempo de televisão.

Pense por um segundo em milhares de pessoas vivas perdendo essa condição, sendo esmagadas, soterradas, desaparecidas. Pense nos que ficaram, na sua dor, no medo profundo a lhes tirar do chão e a lhes plantar em algum lugar sem nome, onde a angústia, o medo, são o único vibrato contínuo e sem tréguas…

Imagino que se falou pouco nessas primeiras horas de ocupação. Cozinhou-se arroz, preparou-se alguma bebida quente,pode ser que alguém, um senhor idoso, tenha experimentado tocar sua flauta, na sala nova da casa nova.

Não, as notícias não são senão, frágeis chaves que sempre se quebram, à primeira tentativa de abrirmos portas. As notícias dizem-nos o que menos importa, ou nos entregam somente o discurso insosso da generalidade. Não, as notícias não nos contam nada.

 

A Força do “Não”

No último domingo, tal como devem ter feito milhões de pessoas no mundo todo, sintonizei-me com a Grécia e com a difícil missão do seu povo, que teria de escolher entre dois caminhos, cada um deles tão difícil quanto o outro, com seus abismos, sua impossibilidade de desvios alternativos, seu conjunto de inevitabilidades.

Como milhões de pessoas no mundo todo, torci pelo “Não”, e divulguei nas redes sociais, as tags dessa torcida, enquanto acompanhava pelos principais portais de notícias, as repercussões daquele acontecimento.

Festejei a vitória retumbante do “Não” grego, ciente da impossibilidade de compreender o tamanho do sacrifício que o caminho escolhido imporá aos cidadãos daquele país, ciente da imensa distância existente entre esta minha precária solidariedade e a real situação de sofrimento vivida pela Grécia, com todas as suas terríveis nuances, as quais somente podemos assistir de muito longe.

De fato, para qualquer lado que se olhasse, na terra de Platão e de Sócrates, havia um cenário sombrio a ser contemplado. O não, entretanto, era por assim dizer, o salto mais arriscado. Aquele que colocaria a Grécia no topo de uma montanha, pavimentada toda ela por um caminho de solidão, isolamento, abandono dos trilhos do mundo exterior e do capital internacional.

O não envolvia porém, a coragem de milhões de gregos que já haviam desafiado um processo eleitoral anterior, colocando nas mãos de Alexis Tsipras, os destinos do país para os próximos anos.

Em alguma medida, o voto no não ratificou o lugar de Alexis Tsipras

Como o primeiro ministro da Grécia,

Assim, ouso dizer, o “não” fez mais pela Grécia do que faria o “sim”. Ao mesmo tempo em que expôs ao mundo, o âmago da terrível crise que assola o país, obrigou que o grupo dos seus vizinhos, a Europa toda, representada pela Troika, constituída pela União Europeia, o Banco Central europeu e o FMI, se voltassem para uma compreensão mais aguda dessa crise, que não é apenas da Grécia, mas se gesta na própria forma como se dão os financiamentos das dívidas dos países hoje dependentes do capital mundial.

A agonia prossegue, agora com as diversas negociações. Dentro da Grécia entretanto, enquanto tenta adaptar-se ao limitado mundo das contenções, das dificuldades, dos carecimentos, o povo grego alimenta-se da esperança no seu líder maior, Alexis Tsipras, e na possibilidade de construírem um futuro mais digno para o país.

Sim, a crise grega é, em larga medida, uma amostra dos caminhos que temos palmilhado ao sabor das diretrizes do capital mundial, cuja acumulação, com predomínio na financeirização do próprio capital, assume proporções inaceitáveis, ameaçando o futuro da própria globalização.

Nenhum país pode-se dizer imune à situação de crise que assola o mundo. Mas há que se compreender porque estamos caminhando inevitavelmente para uma posição tão perigosa. Precisamos escutar o que tem nos dito David Harvey, em sua aguda crítica ao sistema capitalista e aos movimentos das suas últimas décadas, que nos trouxeram a esse perigoso agora.

 

(Este post será publicado amanhã em minha coluna impressa do Jornal A União)