O Quarto Poder Desgoverna o País

O quadro atual da crise vivida pelo país é dos mais preocupantes. Temos um governo abalroado por uma crise econômica que ele próprio se encarrega de aprofundar, uma oposição irresponsável instilando a amargura de estar na oposição, abalroada por sua própria incapacidade de pensar um projeto de desenvolvimento que a recoloque novamente na mira dos eleitores, que lhe dê o estatuto de ser capaz de retomar os trilhos do desenvolvimento, e ainda, lideranças que supostamente apoiam o governo, mas vêem no âmago da crise, a oportunidade de ouro para desengavetar projetos neo liberais que reconduzirão o Brasil à linha traçada pelo capital mundial para a américa latina, a qual prevê as rubricas do estado mínimo, livre iniciativa, arrocho salarial, desemprego e enfraquecimento dos movimentos sindicais já combalidos.

No centro de tudo isso, feito um árbitro implacável, para a guerra ou para a festa, coloca-se a mídia brasileira, comercial, privada, hegemônica, concentrada nas mãos de poucos, instilando numa sociedade atordoada, dia após dia, doses maciças de pessimismo, de intolerância, de ódio, tudo tramado no tecido do espetáculo, do drama, da tragédia cuja trilha sonora é o hino nacional.

Quanto custa um minuto de publicidade na tevê globo? A pergunta pelos custos não se coloca mais. Vinte quatro horas por dia a serviço de uma publicidade nefasta contra o governo democraticamente eleito, a rede Globo espera dividendos importantes, já conquistados em episódios da história recente, quando apoiou o golpe de 64, e conquistou o maior império comunicativo do Brasil, segundo da América Latina, só perdendo para a rede Televisa do México.A oposição espera pelas balas de prata da mídia, o governo, acuado, mantém os pagamentos dos dividendos publicitários, e, enfraquecido, apanha dioturnamente, uma saraivada de fatos negativos despejados sobre sua república desgovernada, engrossada pelas outras cadeias de radiodifusão e da imprensa escrita, que disciplinadamente seguem o script global.

Encurralado, o governo, como numa obstinação bíblica, apresenta a outra face e exalta a liberdade e a democracia.

Sim, não tenho dúvidas. O quarto poder, robusto, bem constituído, e com uma horda disciplinada de outros seguidores midiáticos, desgoverna o país, rasga seus livros de ética, cospe na Constituição, chuta o balde da República. A narrativa é digna do roteiro da novela das nove: O governo é o vilão, a quadrilha, e, é uma república comunista, que agora se chama Partido dos Traidores.

A oposição aplaude, o governo veste o manto do mal que a mídia lhe preparou, a sociedade compra o folhetim e vive o paroxismo e a histeria à frente dos microfones e das câmeras, louvando o único herói capaz de salvar o Brasil, o juiz da Lava Jato.

E já agora, uma última linha para essa narrativa triste. Não são somente os da Lava Jato que estão presos. A presidente dilma, o ex presidente Lula, já foram enforcados pela mídia brasileira, reféns das próximas manchetes que já se preparam nas redações.

 

A Colheita de Dora

 

 

Dora Limeira se foi. Não, a frase não é de uma crônica, de um conto, não foi escrita em um romance. A frase está cravada em nossos corações, com sua adaga de ponta afiada.

Apronta-se o obituário, resolvem-se as demandas da burocracia, e nós, tentamos digerir o telegrama bruto, tão curto como uma pedra atirada num lago.

Dora Limeira se foi. Encerrou-se no mutismo obrigatório do não mais estar aqui, enquanto uma saudade sem aviso já bate as portas, pede passagem, espreme-se e invade todas as comportas.

Atarantada, vou buscar uma antiga crônica que fiz pra ela, no seu sexagésimo nono aniversário. Vou buscar a crônica, as mãos do meu espírito trêmulas de tristeza.

 

A Colheita de Dora

 

Naquele dia prometeu a si mesma que escreveria 69 palavras. Sim. Sessenta e nove palavras, que escolheria a dedo, sopesando as sílabas, avaliando a sonoridade, arranjando o conjunto, como se todas elas formassem um imenso ramo de flores.

E com seu passo lépido rumou para o jardim dos seus pensamentos, agachou-se junto à plantação das palavras, e com as mãos, como gostava de fazer, escavou aquela sementeira a fim de escolher as melhores palavras do ramo.

E cada palavra que subia à tona, estava úmida de vontade por se fazer traçado, por habitar entre vírgulas, por conhecer, como se de boca serrada estivesse, o breve silêncio do ponto final.

Palavras brotos, maduras, palavras tolas, sem força nenhuma, todas vinham pousar no seu regaço, pedir um lugar, e assombrada, encantada, ela cedia a todas elas, arrumava seu ramo heterogêneo, vacilava entre um se e um não, mas não recusava nenhuma delas.

E vieram as palavras da multiplicação, todas bojudas de sonoridade, todas ansiosas por vergar aquele ramo nos seus ponto e vírgulas, suas interrogações, muitas delas a dormitar um pequeno cochilo na quietude do ponto. E bondosa como era ela, apaixonada como era ela, teve uma idéia. “E se eu multiplicasse essas 69 palavras 69 vezes?

E no jardim pleno de riso, leva a vida toda a

arranjar palavras nos seus ramos de flores.