Um minuto, um segundo, e você desemboca no novo ano, com uma taça de champanhe na mão, os ouvidos meio surdos por conta do estrondear dos fogos, os braços ocupados em abraçar, na boca, aquela frase de sempre, com suas exclamações: Feliz ano novo! No fundo você sabe, a ideia de renovação não passa de propaganda pesada, de clima preparado pelo natal, as férias, para muitos, os calendários, que você tem pelo menos uns três, dados por lojas de departamentos e farmácias.
O ano novo recomeça implacavelmente de onde parou o velho. Isto porque os anos não passam de invenção, da civilização e da cultura, para monitorar as horas úteis e inúteis dos indivíduos, para organizar as políticas, a economia, para disciplinar os planos educacionais e criar uma trilha comum por onde possam contar a história.
Na verdade, o que temos mesmo é o tempo, esse conceito, essa ideia poderosa que nos permite observar os acontecimentos e a sua duração no espaço, o seu começo e o seu fim. O tempo, esse poderoso conceito que equilibra o nascimento e a duração dos nossos sonhos, nossas esperanças, esse poderoso conceito que sustenta no espaço as unhas da nossa angústia, o auge do seu aperto em nosso peito e o doce alívio de vê-la desvanecer-se.
O ano acaba, e só temos esse segundo mágico em que contamos três, dois, um, para de novo estarmos irremediavelmente atirados no bojo do tempo presente, com seus acontecimentos terríveis.
A morte, essa senhora de mil faces continua dando as suas cartas: Este vai, essa também, este ainda não está pronto, aquela jovem, aquela menina, essa mulher de sacola na mão, esses assassinos, todos eles, num só pacote de violência pura. E essa família aqui, filho, mãe, irmãs, sobrinhas, que todas já engoliram a champanhe do ano novo.
Você pondo toda a sua atenção nesse segundo mágico, três, dois, um, e as mesmas caras retocando a política de ontem, com o velho cinismo, as meias palavras, as linhas privativas, o escoamento das propinas, que ainda há tempo para os restos a pagar.
Ano novo, os primeiros dias sendo destacados dos calendários, e os velhos problemas desabando sobre a sua cabeça, com a força de um tsunami.
Guarde o seu livro de autoajuda, feche aquela gaveta onde num caderninho novo em folha fez as suas metas para 2017. Deixe intacto, o calendário da sua mesa de trabalho. Contemple por algum momento os segundos passando. Tente olhar para os acontecimentos como grandes molhos de fatos entrelaçados, olhe para a sua duração no espaço, tente encontrar o fio emaranhado onde tudo isso começou.
Faça um acordo consigo mesmo e abandone essa ideia de ano novo. Lave a cara e olhe para a realidade como ela é, essa grande ágora onde os acontecimentos precipitam-se, trazendo cada um, a marca do gesto de alguém, de um grupo, de uma coletividade. Entenda de uma vez, não há novo tempo, senão na trilha da tevê. O que há é somente o momento presente, pedindo sua atenção, sua escolha, sua intervenção.
Republicou isto em O LADO ESCURO DA LUA.