“Com o Supremo, com Tudo”: Um País que Desistiu de si Mesmo

O país afundou. No começo, adernava de forma lenta, gradual. A partir de 2016, com o impeachment da presidenta Dilma, ganhou agilidade na sua derrocada e nos últimos dias, atinge velocidade de cruzeiro.

“Com o Supremo”, com tudo”, para não nos esquecermos da frase dita por Jucá, numa hora de necessidade extrema, quando era preciso estancar as investigações e retomar os freios da velha política do loteamento do estado em favor de interesses políticos e econômicos vis.

O país acabou, ou por outra, fechou para balanço. Retornaremos à condição de colônia, com nossos melhores serviços essenciais como água, energia, préssal, minérios e derivados, além do nosso espaço aéreo, explorados e comercializados pelo capital estrangeiro.

O país lembra uma velha e enorme casa, toda desmontada, como se houvesse em curso uma grande mudança. E há. O Brasil entrega suas riquezas, e parte de malas vazias, para um lugar de insignificância,  lembrando o drama da estória de fadas, no qual a linda princesa passa a viver no borralho.

Os números da nossa derrocada são alarmantes. Alguns deles foram apresentados com maestria e brilhantismo pela ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader, na mais recente edição do Pense, um ciclo de debates promovido pelo governo do estado, para uma plateia pequena mas atenta, que se reuniu para ouví-la, na noite da última quarta-feira, 22 de agosto, na sala Maestro José Siqueira, do Espaço Cultural.

Helena Nader fez um duro e agudo diagnóstico acerca da educação e da ciência brasileiras, demonstrando que o país perdeu o orgulho, a autoestima e ocupa hoje uma das últimas posições no que toca a investimentos em educação fundamental, média e superior, em desenvolvimento científico e tecnológico, no hanking dos 150países pesquisados.

Com voz firme, e as vezes brincando com a rebeldia do progetor onde exibia suas transparências,  ela narrou para nós sobre a ciência brasileira e os seus últimos suspiros, denunciou a insanidade do projeto “escola sem partido”, exortou que conheçamos a Pec 85 e assim saibamos da sua capacidade de implodir um país que considera hoje, através do governo Temer, que recursos para a educação são tidos como gastos, e não mais como investimentos, no sentido lato do termo.

Saí da palestra de Helena Nader com uma certeza: O país desistiu de si mesmo, do seu orgulho, da sua autoestima. Inventamos técnicas de exploração em grandes profundidades e encontramos o pré-sal. Inventamos, a través da Weg, um ímã de espessura finíssima e grande potência. Construímos aviões e alavancamos a indústria naval brasileira. Tudo isso está indo para o brejo, e colocamos agora em saldão de balanço, a venda da Eletrobrás.

O país acabou. Os artífices da política de desmonte, leia-se, PSDB, PMDB e mídia comercial privada, acertam os últimos protocolos, selam envelopes e malas diretas e inventam frases de retórica para as manchetes do Jornal Nacional de um país editado.

 

(Este post foi publicado hoje em minha coluna impressa do Jornal A União)

Quando Becas e Protocolos Derrubam Títulos e Manchetes

Pronto, agora é oficial. Na tarde da última quarta-feira, o gabinete da reitoria da UFPB emitiu nota pública, onde reconhece que o protocolo e as becas derrubaram uma das manchetes que vinha povoando os portais de notícia da Paraíba desde o início do mês, onde se dava conta de que o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva,  por ocasião da sua passagem pela Paraíba, no próximo dia 26 de agosto, receberia o título de Doutor Honoris Causa, aprovado pelo Conselho Superior de Ensino e Pesquisa daquela instituição, desde 2011.

A nota da reitoria rechaça argumentos que circulam nas redes sociais, de que a instituição havia recuado da outorga do título, para não fomentar manifestações político-partidárias. Deixa implícito ainda, um jargão muito conhecido da sociedade nos últimos tempos, “a culpa é do PT”. Segundo a nota, o Partido dos Trabalhadores pretendia que o título fosse concedido em local fora da UFPB. Os protocolos dauniversidade, para cerimônia desta ordem, a localização de todos os conselheiros, e a mobilização de becas para todos eles, sãoprovidências, segundo a nota, que exigem tempo hábil, do qual a instituição não dispõe.

Assim, as becas e os protocolos derrubaram a concessão do título, que certamente prosseguirá deitado eternamente em berço esplêndido, nas gavetas do gabinete, na sua soneca homérica que já dura seis anos, e que poderá prolongar-se ad eternum em perpétua quietude junto com as traças.

O ex-presidente Lula vive aliás, uma difícil “sina”. Para a sua condenação, provas não são necessárias. Bastam os indícios, o domínio do fato, a aplicação eficiente do uso do lawfare. Lula tem sido a chave mestra que abre as vantagens de delações premiadas. Lula tem sido o conteúdo mais importante de reportagens e manchetes condenatórias país a fora.

Exatamente em agosto do ano passado, circulou na coluna do jornalista Fernando Rodrigues, da Folha de São Paulo, a informação de que a verdadeira dona do triplex do Guarujá é a publicitária Nelci Warken, da empresa Mossack Fonseca.

A imprensa comercial não diz nada sobre isso. O que importa é que Lula seja condenado pela posse de um imóvel que comprovadamente não é seu.

A sina imposta à Lula é a da condenação, a do impedimento, que não venha ele novamente armar-se em candidato. Reconhecimento pelo que o ex-presidente fez pelo país, na conjuntura atual, não será possível.

Reconhecimento pelo que o ex-presidente fez pela educação superior brasileira, e mais particularmente pela educação da Paraíba, por agora, e por muito tempo mais, não será possível, decretam becas e protocolos.

As becas venceram. Festa para uns, gosto amargo na boca para outros. A universidade, com suas árvores, suas obras inacabadas, pede silêncio para o sono eterno do título de Doutor Honoris Causa do ex-presidente Lula.

 

(Esta coluna será publicada amanhã, em minha coluna impressa do jornal A União).

Entre Lula e o meu Pai: Um Título Eterno

Publiquei o post abaixo na minha coluna impressa da sexta-feira. Consternada, soube que por razões político-partidárias, o título de Doutor Honoris Causa que seria concedido ao ex-presidente Lula foi adiado. A história nos cobrará, cedo ou tarde, pelas injustiças que vêm sendo cometidas contra esse homem do campo que ousou sonhar e vencer. Segue minha homenagem, ao meu pai e ao presidente, com os timbres do afeto, da gratidão e saudade do velho Mariano, “In memoriam”

 

Ele estará todo paramentado com as vestes cerimoniais, e, seguido por um grupo também paramentado, será conduzido ao posto de honra, para receber o título de Doutor Honoris Causa. Nessa hora, e por todo o tempo que durar a cerimônia, eu me lembrarei do meu pai, das suas mãos trêmulas, do seu cigarro de fumo de rolo, da sua asma, das horas de fim de tarde em que eu lavava os seus pés, depois da lida na roça, do jeito que ele tinha de brincar comigo, imitando a voz do carteiro, diante do portão fechado.

Me lembrarei do medo que o meu pai tinha dos comunistas, me recordarei da tristeza que lhe assolava os olhos, em todo o fim de colheita, quando contava o dinheiro que havia apurado, para levar à casa do fazendeiro, que era o fiador de tudo que ele havia comprado durante o ano: Açúcar, café, sabão, bolacha canela para as crianças, e o seu fumo de rolo.

Me lembrarei de um dia longínquo da minha infância, e da raiva do meu pai, entre apressadas respirações asmáticas. O fazendeiro o tinha expulsado das terras, porque minha mãe havia votado num político diferente daquele que o fazendeiro pedira a meu pai para que ela votasse.

Naquele dia, mastigando sua raiva, meu pai soube que gosto tinha a injustiça, ainda que precariamente, conheceu o amargo da situação em que vivia, vendendo suas horas, seu suor, sua força, a custo da subserviência e da servilidade.

Meu pai tinha medo dos comunistas e, olhava desconfiado para o bando de jovens que muitas vezes iam à nossa casa para as primeiras reuniões de formação do Partido dos Trabalhadores. Quando falávamos em Luís Inácio da Silva, ele sorria e desconversava. Morreu em 1993, quando Lula era a força mais importante do movimento sindical brasileiro.

Quando for lido o panegírico cerimonial, e mesmo depois, eu me lembrarei do meu pai, das suas lágrimas fáceis, do seu sorriso, das muitas cercas que ergueu, ao longo da vida, para proteger terra e gado alheio, das muitas noites insones, já na cidade grande, vigia de uma fábrica de cimento. Como numa espécie de quebra do protocolo, dedicarei também ao meu pai, o título que Lula recebe da UFPB.

Em silêncio, e em pensamento, farei o meu próprio panegírico e o entregarei a Lula, com o os timbres do afeto e da gratidão.

Gratidão por esse homem do campo, que abriu porteiras, passadiços, portões, levando a alma nordestina ao mais alto topo das esferas de poder. A alma nordestina simples, corajosa, resistente, pronta para a luta e para o acolhimento, tecida na partilha do pão e da fome, da seca e da água, do rezar quase dormindo, do olhar erguido aos céus, entremesclado de tristeza e esperança.

Junto com as honrarias do título formal, lhe entregarei o mapa do solo comum onde nos forjamos, todos os nordestinos pobres do campo, onde ele reina, como aquele que mais trabalhou, para que agora andemos de cabeça erguida, envoltos na mesma luta encarniçada por justiça e por igualdade.

O Reformador do Absurdo

O título vem entre aspas porque não é meu. Surgiu na esteira de um diálogo mantido com uma amiga inteligente, a propósito da última quarta-feira, quando a Câmara dos Deputados consolidou o processo de arquivamento da denúncia de corrupção passiva contra o presidente Temer.

De fato, temos falado muito de política nos últimos tempos, mas estamos todos perplexos, angustiados e mais ou menos paralisados pela situação extrema a que o país foi submetido. Conforme eu disse na coluna anterior, o “presidente decorativo” prosseguirá com sua astúcia, a desmontar o estado, a desintegrar políticas sociais, a entregar nossas reservas à voracidade do capital mundial.

Tudo agora tem certificação do parlamento. Ganhou nova chancela para prosseguir com seu modus operandi, fundado na força, na truculência e na retórica fraudulenta.

O presidente clama pela reforma da previdência em seus vídeos em redes sociais, mas, na calada da noite, assina decretos que isentam a bancada ruralista do pagamento de dívidas com essa mesma previdência que ele vai reformar.

Nos discursos, fala com entusiasmo de um país cuja economia está melhorando, o emprego voltou, a inflação caiu. No país real, vive-se deflação, por conta de uma economia completamente deprimida. A inflação rosna e brevemente arrombará os portões de saída, graças aos aumentos de gasolina e energia.

O reformador do absurdo tem uma biografia a zelar. Foi por ela que lutou dia e noite, a fim de garantir a vitória de quarta-feira.  Quer passar à história como o presidente que em menos tempo, colocou o país nos trilhos. Há que se inventar um termo para essa visão deformada. Há que se lhe entregar um espelho para que ele veja o que está fazendo com o país. No Jaburu, no Planalto, ou não há espelhos, ou o presidente interino se nega a olhar para eles.

Com mão firme, vai arquitetando seu próprio país, com os carimbos da lei e da proteção, com a força bruta da malhação em escadas e jantares com políticos, com a argamaça da retórica, em grande quantidade.

No país de Temer, não há malas de dinheiro, nem conversas com criminosos, nem aquela algaravia tola de que “tem que manter isso aí, viu”?

No país de Temer, há uma ponte para o futuro, uma ponte realmente muito estreita, onde não cabe o povo, nem seus direitos sociais, tampouco os comunistas de esquerda. Na ponte do reformador do absurdo, só cabe uma espécie de pequena corte dos “iluminatti” brasileiros, que levam na bagagem o seu religioso ódio de classes e os seus planos sintéticos mas arrasadores: Fim da previdência, fim do estado, neoliberalismo real, a todo e qualquer custo.