Um Longo Telegrama Salgado Vindo de Marte

Diga-se o que se disser, do ponto de vista das descobertas científicas, o século em que vivemos é surpreendente. Como previra Michio Kaku, em seu livro “Visões do Futuro”, acumulamos conhecimentos sem precedentes nos últimos três séculos. Agora, é tempo de manipular tais conhecimentos, é tempo de transformar esses achados em benefícios para a humanidade.

De fato, caminhamos a passos largos para desvendarmos os mistérios do cérebro, compreendermos suas mazelas, assim como as maneiras em que a inteligência se organiza. Uma questão central ainda intriga os neurocientistas: O que é a consciência?

No campo da biologia, deciframos o genoma humano, e temos em mãos, um mapa completo apto a ser empregado a serviço da melhoria da nossa condição biológica.

No que toca à área da pesquisa espacial, quando comparamos a época do rudimentar telescópio de Galileu à era atual, constatamos um progresso tecnológico sem precedentes. Temos artefatos surpreendentes, sondas e robôs ocupados em explorar o cosmos, avaliar sua matéria e a intrigante natureza da formação dos seus astros. Entretanto, ainda não fomos capazes de responder à questão que acicatou a curiosidade dos humanos em todas as épocas da história: Estaremos sós no universo?

A descoberta de filetes de água salgada, escorrendo pelas rochas marcianas, durante os seus verões de mais de duzentos dias, alvoroçou o mundo, após a revelação feita pela NASA, no último final de semana.

Num mundo de quase oito bilhões de habitantes, sacudido por circunstâncias climáticas difíceis, convulsionado por uma brutal desigualdade, que gera fome e miséria para mais da metade da espécie, há que se ter pressa em desvendar tal questão, há que se cuidar para que os humanos trabalhem na ainda insolúvel estratégia de minerar e terraformar outros ambientes, para além da geografia do seu pequeno planeta terra.

A notícia da NASA, nos permite invariavelmente um primeiro brado de alegria, mas depois, paramos para pensar na enormidade dos problemas que se apresentam ao nosso frágil pensamento. Presos em nossa janela individualista, cercados por nossa rotina organizada, fomos nos afastando de uma inveção cósmica desafiadora, grandiosa e intrigante, da qual fazemos parte, a qual nos afeta, mas, deliciosamente anestesiados por nossas máquinas de entretenimento, nem sempre conseguimos perceber e compreender.

O que é a vida? Sem nos apercebermos, estamos no meio desse vórtice, somos um entre tantos elos dessa teia, que é imensuravelmente maior e mais complexa do que esse pequeno braço de humanidade que se desenvolveu no âmago da evolução cósmica, como um frágil sopro, uma maneira entre tantas outras, de manifestação da vida.

Os filetes de água a escorrer, verão a verão, por entre as rochas marcianas, são um longo telegrama salgado a nos dizer que a vida é muito mais complexa do que aquela que desfrutamos das nossas janelas, ou das telas dos nossos smartphones. A vida é um milagre cósmico, e por enquanto, aqui na terra, parece que somos a espécie capaz de pensar sobre isso e de prezar pela sua preservação. Até quando?

Manchetes de Jornal

Não posso desligar a tevê, nem ignorar as Newsletters que recebo todos os dias na minha caixa de correio. A verdade é que as manchetes são as mais difíceis de digerir, e desaguam de todos os lados.

Na minha cidade, os jornalistas falam de crianças mortas encontradas no lixo. Crianças morrem de fome e de cansaço nas fronteiras europeias. E agorinha mesmo, enquanto escrevo minhas 36 linhas, o jornalismo mundial repercute o terrível embuste perpetrado pela Volkswagen, tecnologia embutida em seus automóveis de luxo, para enganar ao mundo, aos ambientalistas, aos governos, que está reduzindo a poluição.

É verdade que o Papa Francisco tem alertado ao mundo, com sua generosidade, com frases curtas, simples e certeiras, sobre o terrível caminho que estamos palmilhando, em sociedades garroteadas pelas exigências da propriedade, do capital, e onde a vida é flagrantemente ameaçada, descartada, ignorada.

Um país justo, é aquele que se preocupa com as pessoas, disse o Papa Francisco em Cuba, e depois rumou para os Estados Unidos, onde espera intermediar o fim do terrível embargo econômico imposto pelo país de Obama à ilha de Fidel, há cinquenta anos.

Fico pensando se existirá de fato um país justo. As manchetes dos jornais, as chamadas de rádio e tevê, nos entremostram um mundo marcado pela violência, a desigualdade, injustiças de toda ordem, e estados servidos por regimes políticos ocupados em promover democracias baseadas em ajustes fiscais que protegem muito mais as bases de manutenção do status quo de defesa das riquezas concentradas nas mãos de poucos, e em muitos casos, de total abandono dos direitos de cidadania.

Para fugir do peso desse mundo amargo, corro atrás das descobertas científicas na área das missões espaciais. A terra vista do espaço, não passa de um belo e pálido ponto azul, como diria Karl Sagan. Sondas em diversos pontos do cosmos, nos mostram a espantosa e intrigante beleza das montanhas de Plutão, ou a misteriosa Hidra, uma das pequenas luas de Urano, tão distante de nós.

Em pensamento, faço coro com o Papa Francisco. Um país justo, preocupa-se com as pessoas, com suas riquezas naturais, com todas as outras espécies vivas, com a saúde da terra.

E de repente me dou conta, a política, as instituições, vivem sob a égide de um contrato social em que todos já estão meio mortos, soterrados por protocolos que os ajudam a fazer de conta, armados por formas de ludibrio e de fingimento, apoiados em legendas que abandonam ou acatam, com um simples jeito de mão, um pequeno discurso insólito, que possa caber em uma manchete de jornal, que possa ser decorado e repetido, na inútil prosopopeia da política.

 

(Este post foi publicado hoje em minha coluna impressa do jornal A União).

Canção Íntima para a Morte

Vou lhes confessar uma coisa. A morte sempre me comove, seja ela de quem for, e ontem, lendo mais um dos magistrais artigos de Eliane Brun sobre a morte, encontrei a explicação para essa minha íntima comoção. Com a morte dos outros, ilumina-se em nós, a certeza de que também iremos, de que num dia qualquer, “deixaremos de estar”, como tão sabiamente apontou a jornalista.

A morte como que ilumina em nós uma canção de tristeza, que pode ser longa ou curta, dependendo da pessoa que se foi e do lugar que ela ocupava em nossas vidas.

No final de semana, intimamente, compus pequenas canções curtas, íntimas comoções, quem sabe forjadas por um simples “ai”, por causa dos imigrantes mortos em barcos, ou asfixiados em caminhões de carga, tentando num último esforço desesperado, encontrarem e agarrarem um naco de mundo onde pudessem viver melhor.

No domingo porém, compus uma canção íntima e longa, para a perda do grande neurologista Oliver Sacks, que despediu-se do mundo dos vivos, vitimado por um câncer.

Conhecia o pesquisador por conta da sua produção científica. Com sua narrativa magistral, ele legou ao mundo dos leigos, histórias sobre doenças raras, como aquela em que um homem confundiu a sua mulher com um chapéu, e candidamente, assassinou-a.

Consternada pela perda do pesquisador, fui buscar algumas das palavras que ele havia dito no auge da sua vida, e que agora ganhavam força nova, face à realidade da morte.

Na obra sobre o título “Sempre em Movimento: Uma Vida”, Sacks narra de forma desapiedada e corajosa, os episódios cruciais dos seus oitenta e dois anos. Dá ao leitor, uma fotografia ao mesmo tempo constrangedora e grandiosa de si próprio.

Suspeitaria o leitor de que o escritor de obras como “O Homem que Confundiu sua Mulher com Um Chapéu”, “Vendo Vozes”, “Um Antropólogo em Marte”, entre tantas outras, foi um contumaz usuário de anfetaminas e outras drogas na juventude? Imaginaria que muitos dos achados científicos tão difundidos, resultaram de idas e vindas, erros e fracassos retumbantes, e até mesmo de descuidos e irresponsabilidades?

Saks não nos poupa de nada. A sua biografia entretanto, é além de tudo, um belo tratado sobre as emoções humanas, sobre fracassos e vitórias, sobre o tema da homossexualidade e o incômodo que isso criou no seio da sua família na Inglaterra dos anos 50 do século XX.

Saímos da leitura da sua obra, amando ainda mais aquele que só conhecíamos como um divulgador de ciências. Amando suas fragilidades e a força que tinha, tanto a física quanto a espiritual. Amando sobretudo, um homem que soube despedir-se dos outros, antes de morrer, deixando-lhes o legado da coragem, da persistência, da ousadia, deixando-lhes a mensagem de que a vida, é mesmo movimento, sempre.