A Aula de Jornalismo de Bolsonaro

 

Na sala de aula, há professores que falam manso. Há outros que gritam. Há os que se entusiasmam. Eu sou desse grupo. Já o professor Bolsonaro é daqueles que fica furioso. Ameaça a classe, que fica silenciosa, espocando seus flashes, mas, completamente calada.

A aula de jornalismo de Bolsonaro foi no melhor estilo. Transformou o que seria uma entrevista numa live crivada de impropérios. Fez a recomendação que está nos livros clássicos do Jornalismo. “Dizer a verdade”. Recomendou a Bíblia como livro principal do seu tópico, e, indicou o versículo a ser seguido.

Os jornalistas calados e ele desfiando: As palestras de Merval Pereira pagas com dinheiro público; os outros palestrantes da Globo. Cristiana Lobo, Juliana Morroni, entre outros denunciados.

Fez ameaças. Ou dizem a verdade sobre o governo, ou param de bater no presidente, ou posso mandar vocês embora daqui. E prometeu mais. Como um verdadeiro revolucionário, disse que vai distribuir equitativamente a renda publicitária para todos os veículos. Vai acabar com essa história da Globo abocanhar setenta por cento das verbas.

Bolsonaro, amparado sobre o discurso da verdade, mentiu descaradamente. A rede Globo ajudou na sua campanha presidencial. A Globo elegeu Bolsonaro. A Globo, mesmo agora, quando o país se transformou numa pocilga, a Globo patina entre a louvação ao presidente e as críticas tímidas.

A aula de jornalismo de Bolsonaro explicou com palavras furibundas, que dizer a verdade é falar bem do presidente, do seu governo, dos seus ministros. Dizer a verdade é levar às últimas consequências, a máxima “se achar melhor a gente edita”, que a rede Globo soube praticar tão bem ao longo da sua trajetória.

Mentiu descaradamente, porque tem entornado dinheiro público nas burras de Sílvio Santos e da Rede Record. Tem mexido os pauzinhos, e uma a uma, vão caindo cabeças dos bons jornalistas que ainda há no Brasil.

Em nenhum momento da sua aula virulenta, Bolsonaro pronunciou a palavra censura. Não precisava. Ela estava lá, como uma impinge maldita, como chamas ardentes, incinerando a democracia.

O Gigante Encolhido

Passados quase oito meses do governo Bolsonaro, algumas perguntas estão sendo feitas por especialistas, cidadãos comuns, formadores de opinião em geral. As respostas são preocupantes. A primeira pergunta que se impõe é a de saber se as reformas impostas ao país trarão consequências de longo prazo, e, algumas delas, irreparáveis.

Para algumas dessas questões, as previsões são inquietantes. A reforma da previdência, por exemplo, poderá gerar uma horda muito grande de indivíduos que nunca conseguirão se aposentar, seja porque dependerão do mercado informal ou do sub emprego, e assim não alcançarão fazer parte daqueles coletivos de trabalhadores que contribuirão para a previdência, podendo fazer jus ao direito após quarenta anos de trabalho.

Os cortes impostos à pesquisa científica e à educação no ensino superior já acarretam perdas irreparáveis. Descontinuidade dos processos habituais de formação, precariedade na prestação dos serviços terceirizados, impossibilidade, em quase todas as universidades, da participação de docentes e estudantes em eventos nacionais e internacionais para o compartilhamento do conhecimento produzido.

Nas universidades, aliás, uma espécie de espada de Dâmocles paira sobre as cabeças das comunidades universitárias. Em setembro, por exemplo, a nossa UFPB ameaça parar suas atividades, por falta de serviços essenciais como energia, telefones, e atividades de limpeza e manutenção das salas de aulas, laboratórios e demais ambientes de trabalho.

O incisivo processo de privatizações, celebrado pela grande mídia, pela classe política e por expressivos setores da sociedade civil demonstra a tenacidade do governo para reduzir o tamanho do estado, que se centrará, como diz o próprio presidente, em políticas de segurança, de atendimento a demandas na educação básica e desenvolvimento do país.

Nessa estreita rubrica, entenda-se como política de segurança, o fortalecimento das ações ostensivas da polícia nas comunidades pobres, associada ao armamento dos cidadãos do campo e da cidade; para a atenção à educação básica, entenda-se censura aos conteúdos, militarização do ensino e extinção de disciplinas como filosofia, sociologia e história; na área do desenvolvimento, há que se facilitar a liberação dos agrotóxicos, a liberação de terras indígenas para a exploração da garimpagem e de outras riquezas naturais; a abertura integral do mercado para o capital estrangeiro; a entrega dos parques e reservas para os negócios do turismo mundial.

O grito mais alto de alerta vem do meio ambiente. Os desfalques criminosos perpetrados contra a floresta amazônica já são irreparáveis. Florestas são coletivos vivos. Ecossistemas complexos que levam centenas, senão milhares de anos para se recomporem. A sanha liberal progressista do atual governo não compreende a relevância dessa biodiversidade e não olha senão para a mesma, com uma caneta bic em riste, calculando as cifras que serão auferidas com o garimpo, o agronegócio e a especulação imobiliária.

O país do futuro pode ser um território estéril, com um amontoado de problemas insolúveis, um povo sisudo e revoltado, demarcado por uma clara cisão entre uma grande maioria de empobrecidos e uma pequena casta de gente branca muito rica. Há que se inventar um novo nome para esse lugar, que vem celeremente se convertendo num gigante encolhido.

Um Fastfood Macabro

 

“Tem dias que a gente se sente, como quem partiu ou morreu”. Os versos fortes da canção de Chico Buarque caem como uma luva em nosso estado de espírito. Uma tristeza profunda rega nossos gestos, nosso modo de caminhar, as frases que ousamos escrever, aos arrancos, sobre  um mundo estranho que cresce à nossa volta, como um polvo de mil tentáculos, a deglutir nosso presente, a inventar, aos gritos de “future-se”,uma maneira ousada de desmantelar o que então havíamos erguido com nossas mãos, nosso esforço, nosso suor.

Tem dias que a gente se sente paralisada, e até o ato de escrever a coluna é como uma espécie de guerra perdida com as palavras, com a lucidez, verbos e pronomes arrastando-se pela latitude da tela, enquanto um mundo sórdido abastece-se de fatos reais, cifras aterradoras.

Prossegue o desfile dos corpos caindo, por entre as balas do justiçamento. Persiste o estonteante zunir das motosserras, no âmago da floresta, caminhando de modo galopante para se tornar uma savana desértica. Prossegue a matança infame das mulheres, com facas, com chaves de fenda, com porretes, com armas cujo registro foi convenientemente raspado.         Persiste a insônia, uma espécie de vigília, com suas tenazes de fogo, a abrir nossos olhos para o irremediável, a escancarar nossos ouvidos para a estupidez protocolar, frases insólitas, ditas com a languidez de quem afirma que faltam calcinhas na ilha de Marajó, por isso as índias pequenas são abusadas e estupradas.

Frases celeradas, salgadas com a estupidez, em lives com milhares de curtidas, dando conta de que já não há fome, de que não há desmatamento, de que o aquecimento global é uma falácia, de que a “revolução” de 1964 foi um bálsamo para o progresso do país, de que não houve incineramentos, torturas, silenciamento das vozes e dos sonhos.

Tem dias que a gente se sente imersa numa trituradora de mundos. E olha para nossas filhas mais jovens, e segura as mãos das nossas crianças, e permite que lágrimas de angústia ensopem nosso espírito, a sentir que o presente se acha envolto numa tempestade, e que o futuro não passa de uma palavra vã, imprensada entre o desespero e a morte.

Tem dias que a gente arranca de não se sabe onde, um frêmito de esperança, e vai buscar algum alento na máxima de Marcelo Gleizer: Então, não somos poeira reciclada de estrelas? Nossas células, nossos ossos, são tão velhos quanto o universo. Nós nos regeneraremos, e ergueremos nossos sonhos de novo, num lugar limpo e saudável.

Nesses dias, olhamos para a terra, e ela está ensopada de sangue. E sentimos, sem ver, os dutos da vida contaminados pelos novos agrotóxicos liberados. E tapamos os ouvidos para hecatombe das rochas perfuradas, sob o vigor dos garimpos nas terras dos índios.

Tem dias que a gente escuta o canto tupi guarani, e ele é triste, e zune como aço na alma da gente.

 

(Este post foi publicado hoje em minha coluna do #JornalAUnião)