O Terror Editado

Nos dias que correm, há um fenômeno curioso ocorrendo com a mídia comercial. Na sua sanha por alimentar os dutos da notícia, fotógrafos, repórteres, apresentadores de tv, quando não estão de olho fito na telinha, conferindo o que pode virar notícia, estão correndo de lá pra cá, na perseguição de um alarme, de um grito, de uma hasthag,de um aviso soprado através do whatsapp, de um fato editado pelo soundcloud.

Estas notícias transferidas para os dutos da mídia convencional, pelos chamados repórteres cidadãos, se quisermos, repórteres colaborativos, trazem a sonoridade, o cheiro, o sangue, os sabores da tragédia, nas ruas, nos presídios, nas feiras livres, na praia.

Os novos “fazedores de notícia” são simples, alegres, jovens, despreocupados. Nunca se sentaram em um banco de faculdade. Assim, não têm compromisso com a ética, com técnicas de apuração e investigação, com salário, nunca pensaram em coisas como leitor, telespectador, opinião pública.

Esses “novos fazedores de notícia” só conhecem a sua ousadia, e, com seus dispositivos móveis, fazem da não-notícia, a notícia do dia seguinte, no telejornal da manhã, no jornal impresso, no noticiário de rádio.

Quem não se lembra do alarme disparado como um vírus nas redes sociais, anunciando o toque de recolher em João Pessoa? Boato? Alarme falso? No dia seguinte, aquela não-notícia, com suas fotografias editadas, suas sonoridades, seus disparos com os mais variados calibres, era a notícia mais importante do telejornal matinal, ocupava o debate dos jornalistas de rádio, do impresso, de produtoras de notícia, por todo o resto daquele dia.

A mídia comercial, antenada por essa nova tendência, começa a se preparar para otimizar esse processo de separação entre o joio e o trigo. A mídia comercial treina seus espias, pede competência técnica e estômago forte, a fim de que sentinelas se disponham a garimpar e trazer para a cena midiática, informações que possam virar notícia, gerar audiência e mais investimentos.

A mídia comercial quer dar algum certificado, algum selo de qualidade a esse trabalho voluntário, à indisciplinada e alegre ousadia desses novos produtores de notícia. A mídia comercial vai abrindo seus canais de participação, convida, pede, indica, incentiva colaborações, certificando essas notícias com o carimbo da cidadania.

Cidadania? Nesse mercado paralelo, onde qualquer invenção pode virar um fato midiático, a cidadania tem sido flagrantemente aviltada, todos os dias. Isto porque, o brinquedo predileto desses novos “fazedores de notícia” é exatamente o medo dos cidadãos.

Olhem para os muros da cidade, para as suas grades, os dentes de ferro a sorrir para o medo aquartelado dentro das casas. Olhem para as ruas, multidões de passantes segurando o medo nos braços contidos. O terror editado, fatias e fatias de notícia entregues de graça à mídia comercial, que lhes dá publicidade e carimbo de cidadania.

(Este post será publicado amanhã, em minha coluna impressa do Jornal A União)

A Última Rotativa

Nunca pensei que houvesse trilha sonora para uma coluna, e que ela fosse tão adequada. Enquanto escrevo, escuto a “Estação Jazz e tal” do blog do Noblat, ao mesmo tempo em que contemplo os assuntos do dia, esparramados em minha memória, como numa espécie de cardápio.

“Tudo o que é Sólido se Desmancha no Ar”, de Marshall Berman, foi o meu livro de cabeceira do fim de semana. Mas li outras coisas, outras coisas que curiosamente se entrelaçam com a instigante leitura dos anos oitenta, tão atual nos dias que correm.

O segundo tema trata pois acerca das primeiras prisões do julgamento mais publicizado da história recente. Na esteira do episódio, a mídia convencional nos entrega os detalhes mais superficiais. A hora em que cada um foi preso, a fala editada de algum ministro, os gritos e felicitações de manifestantes, festejando as prisões.

Graças aos colunistas, aos formadores de opinião, encontramos algum contraditório. “O maior julgamento da história”, conforme gosta de apregoar a grande mídia, baseado na teoria do “Domínio do Fato”, cria uma insegurança jurídica monumental, no caso por exemplo, da condenação do ex-ministro José Dirceu, admite o jurista Ives Gandra Martins à Folha de São Paulo, acrescentando que ele foi condenado sem provas.

Luís Fernando Veríssimo, no Blog do Noblat, admite que a história ainda nos há de mostrar “injustiças” e “absurdos” cometidos nesse julgamento.

Eu penso sobretudo na cobertura midiática. O Brasil é, aliás, o único país onde os julgamentos da Suprema corte são transmitidos ao vivo, em cadeias públicas e comerciais de tv.

E me vem à memória uma outra leitura de fim de semana, da redação do jornal “O Público”, tratando do fim dos jornais impressos. A pergunta central do artigo de Simone Duarte é: “Como leremos as notícias em 2041”?

Ela parte de uma previsão feita pelo futurista australiano Ross Dawson, que estima o fim dos jornais impressos para 2041 e até inventou um mapa para o fim do impresso em cada país.

Dawson constata a migração de leitores de impressos para a web  e acredita, como outros pesquisadores, que cada leitor individual terá um modelo de consumo de notícia.

A pergunta que se me impõe, inspirada por essas leituras, é: Quando a última rotativa se calar, quando o último jornal impresso for enviado por baixo da porta de um leitor,  os jornalistas terão tempo de desviar o olhar da sua tela para pensar no que a imprensa do mundo deve aos leitores de agora? Pequenos pedaços de informação, apertados por entre os anúncios publicitários, dizendo-nos todos os dias, que o jornalismo e a democracia, o jornalismo e a cidadania, caminham irremediavelmente por linhas paralelas que nunca se encontram. Quando a última rotativa se calar, talvez se possa escutar o pesado silêncio em torno do jornalismo, talvez se veja o jornalista assombrado pelo fantasma do leitor para quem ele nunca escreveu.

Infância Querida

Infância Querida

Milhares de crianças mortas por causa da violência do tufão filipino. E por que será que a gente sofre tanto por conta de um menino morto aqui no Brasil?

Joaquim, três anos, curta biografia encerrada no fundo de um córrego. Joaquim, três anos, Mãe, pai, padrasto, casa, família. Por que será que essas palavras, em algumas casas, em algumas situações, não correspondem aos sinônimos para amor, zelo, proteção, cuidado?

A versão da polícia é cortante, gelada como aquela água do fundo do córrego. A linha de investigação, cabe em um parágrafo do inquérito iniciado. Droga, violência, o padrasto assassina o menino e se livra do corpo. Com a ajuda da mãe? Vão investigar

A polícia rastreará ligações, impressões digitais, marcas, quaisquer marcas. A mídia fará todos os dias a mesma pergunta terrível: O assassinato contou com a ajuda da mãe?

Infância querida, cândida, inocente, pura, fascinante, terna, amorosa. Infância querida, perdida para a violência doméstica, para as drogas, a pedofilia, infância querida esquecida em carros de luxo fechados, enquanto seus pais, esquecidos de tudo, pagam suas contas ou almoçam tranquilamente em restaurantes, enquanto suas crianças morrem por asfixia.

Milhares de crianças mortas nas Filipinas, mas ali não havia premeditação, não havia bater de portas, ameaças, gritos. Ali havia o inesperado, a catástrofe natural, fazendo suas vítimas, tempestades, lágrimas e morte, tudo irmanado no vórtice do redemoinho.

Aqui a infância padece dentro de casa. Portas fechadas, gritos, ameaças, morte. Infância querida, desprotegida, vulnerável, pai, mãe, família, casa, palavras ocas, palavras inúteis, pai, mãe, casa, família, encontrando a cada dia seus substitutos: Violência doméstica, assassinato, desproteção, morte.

A mãe é cúmplice? Ajudou no ocultamento do cadáver? Desliguem os microfones. Desconectem-se. Façam silêncio. Guardem as câmeras, deixem toda a página do jornal tingida de luto.

Luto por quem? Por um menino morto em casa e depois atirado no fundo de um córrego?

Luto pela humanidade. Luto pela família. Por sua incapacidade de proteger a infância. Luto por uma pobre humanidade doente, violenta, à mercê dos seus vícios e paixões. Façam silêncio. Escutem o tufão filipino. Ele também chora, enquanto escorraça seus cadáveres.

Você Nunca, Nunca, Nunca?

Você nunca sentiu uma gota de chuva amanhecida na sua pele ainda vestida de noite? Nunca experimentou, ainda de dentro da cova do sono, esse chuviscar a brincar com a mornidão do seu corpo, a lavar seu último pesadelo, a lhe emprestar uma juventude alegre, toda grávida do cheiro das plantas de lá fora? Você nunca se perguntou por que não sente medo desses pingos de água, a passear com leveza por entre as dobras do seu braço, a escorregarem livremente pela pele lisa das suas costas? Foi assim que acordei hoje. Com um arremedo de chuva a tatuar minha pele com seus borrifos imprecisos, cheios do frescor matinal. Sacudí para o fundo da memória os sonhos da noite, abri-me de par em par para esse acontecimento de pingo d’água. E foi tão breve.Pequena sílaba molhada, que a brisa cuidou de desfazer, deixando em mim esse maravilhamento, esse primeiro batismo sem nome, esse quase diálogo sem fala, essa interação tão antiga entre o corpo e a água.

Escrita de Dentro

Escrevendo assim, ao sabor da hora, escrita saída de dentro, as
palavras brotando como água corredeira. Uma semana e tanto! Dores nas
costas, reflexões, risadas, mais reflexões. Fizemos o I colóquio
Internacional: Jornalismo, Conhecimento e desenvolvimento. Retiramos do
estojo das nossas almas, e entregamos ao professor Antonio fausto Neto, o
título de doutor Honoris causa da UFPB. Levamos Adriano Duarte
Rodrigues a passear e conhecemos o sabor da sua gargalhada, alegre,
sonora. De presente, ele nos entregou as histórias de Bone, uma cadela
cheia de personalidade, simancol e sensibilidade. Bone, aonde quer que
você esteja, saiba que tem gente aqui, perto da África, do outro lado do
atlântico. que te admira muito. Uma semana e tanto, onde o afeto
rumorejou, como uma fonte inesgotável–.