A Matéria Fraca do Jornalismo Brasileiro

A carne está arruinada, dizia minha mãe, nos idos da minha infância, quando por alguma razão, a carne de casa havia se estragado. Quando isso ocorria, dava-se uma pequena tragédia na nossa família grande, de agricultores, onde os filhos maiores trabalhavam duro no campo, contando com quase nenhum recurso monetário, e onde a carne era, por assim dizer, produto de luxo, tal como o açúcar e o arroz, mas tinha de ser consumida rapidamente, pois não contávamos com energia elétrica e nenhum processo de refrigeração.

O episódio deflagrado pela operação Carne Fraca, é somente mais um capítulo da tragédia que se abate sobre o país dos nossos dias, no plano econômico, mergulhado em recessão profunda, e no plano político, amargando as consequências do golpe jurídico/parlamentar/midiático.

A cobertura desse episódio em particular, demonstra porém, a fraca matéria de que é feito o jornalismo comercial brasileiro, convertido em jornalismo publicista, artífice e difusor da narrativa oficial.

A cobertura do episódio tem objetivos implícitos: Por um lado, defender as empresas distribuidoras do produto, que são também grandes anunciantes dos grupos midiáticos. Por outro lado, alinhar-se com o discurso oficial do governo, na estratégia de abafar o escândalo e evitar os prejuízos que já se anunciam para a indústria, com a suspensão das exportações por diversos países.

O ápice dessa cobertura deu-se na edição do Jornal Nacional de hoje. Numa suposta aparência de transparência, o JN deu voz ao discurso oficial, de que os problemas da carne são pontuais e de que o grosso das investigações não se dá por problemas sanitários, mas antes, por problemas de corrupção.

Trata-se aqui da velha tática de contar uma meia verdade e obscurecer a inteireza dos fatos. De que corrupção a mídia e o governo estão falando? Que autoridades estão envolvidas nesse novo processo de corrupção, do qual não se sabe uma vírgula sequer?

A ruína ética e moral do jornalismo brasileiro não agendará essas questões, quando muito, divulgará listas e declarações, fingindo que faz jornalismo imparcial e ouve todos os lados do acontecimento. Estivéssemos, porém, no governo da presidenta Dilma, o viés da cobertura seria oposto ao modus operandi de hoje.

Estivesse no governo a presidenta Dilma, e a artilharia midiática não pouparia um bife ou um embutido sequer. Capas de revistas, manchetes de primeira página nos impressos, dia inteiro no noticiário televisivo e radiofônico, encontrariam maneiras de aplaudir a operação, ampliar seus efeitos e demonizar de todas as maneiras os agentes do estado envolvidos.

Mas a mídia necessita dar sua quota de contribuição para salvar o golpe que ela ajudou a deflagrar. Um golpe financiado pela mesma corrupção das empreiteiras, e quem sabe até, dos negócios da Seara e da Friboi.

Como diria minha mãe, a carne está arruinada. E eu digo com pesar, a carne, o leite e a matéria de que é feito o jornalismo brasileiro.

A Lista de Janot: Uma Narrativa Nova para uma Sangria antiga

Finalmente saiu a primeira lista de Janot, na última terça-feira, e, como se fora os ecos do primeiro terremoto maior, continuam sendo divulgadas outras pequenas listas, dando-se curso a um processo que o judiciário chama de acepcia, enquanto o parlamento vive dias de susto, e a sociedade ora atônita, ora perplexa, não sabe o que dizer da sucessão vertiginosa dos escândalos cobertos pela mídia.

Duas questões precisam ser formuladas. Por que a mídia trata a corrupção da política como um fato novo? E, na esteira desta, por que a lava jato perdeu seu foco, o Partido dos Trabalhadores, os ex-presidentes Lula e Dilma, e transbordou para todo o sistema político?

Quero inicialmente falar sobre o comportamento da mídia. Os governos anteriores aos liderados pelo Partido dos Trabalhadores viviam num céu de brigadeiro. A corrupção era a moeda das relações da política, entretanto, empresários e classe política quase nunca eram importunados pelas impertinências midiáticas. Pequenas rusgas, conflitos passageiros, e, o arquivamento de denúncias, faziam com que se vivesse em paz, na república Sarney, na República do príncipe FHC.

Os governos do PT, que como todos os governos pós-diretas, eram governos de coalizão, entraram em cena, e mergulharam fundo no sistema corrupto da política. A mídia encontrou seu bordão predileto. Instalada no Palácio do Planalto, agia a maior quadrilha de corruptos, protagonizando o maior escândalo político da história brasileira.

Não se salvava ninguém da ala petista, sendo Lula e Dilma, os mandatários supremos da ladroagem. A narrativa fabulosa deu tão certo, que a presidenta foi deposta, e, por artes de retórica, santificou-se o mandato do vice presidente, alçado ao cargo máximo à custa de zero votos.

Mas, a fábula desmoronou-se. A verdade represada venceu a retórica e a lama dos propinodutos mostrou-se como realmente sempre foi, um ciclo perene de décadas e décadas, irradiando para todos os partidos.

Por que terá a lava jato perdido o foco? Por que a lama transbordou? Por que os filtros se desarrolharam? Só posso tentar responder à essa questão recorrendo à história, ao debate teórico. Ao longo da história recente do mundo, o neoliberalismo tem atuado no sentido de realinhar países que minimamente buscaram fortalecer a democracia e os direitos sociais dos cidadãos. Com todos os erros que pusermos na conta dos governos do PT, é certo que eles aprimoraram o processo democrático e ampliaram o rol dos direitos civis e sociais dos cidadãos. O primeiro golpe visava, pois, a liquidação do partido. O segundo golpe, em curso na atualidade, visa aniquilar a classe política, para que o país, inteiramente destroçado, possa ser reconduzido aos trilhos do capital neoliberal. As listas de Janot ainda soltarão sua infecção, mas, habilmente são torcidas as roscas e polcas que ajustarão a nova onda neoliberal. A mídia fará sua parte. Jornalismo declaratório e raso, sem veios com a história e a memória da sociedade dos últimos cinquenta anos.

Penso no que disse Chomsky, no primoroso documentário Requiém Para um Sonho Americano. A política, com P maiúsculo, a política dos cidadãos, aquela que de fato transforma a realidade, é feita de pequenos e grandes gestos, da indignação e da luta dos coletivos. O neoliberalismo pode ser perverso, pode minar o sonho dos cidadãos, mas pode ser também a oportunidade para que o povo tome nas mãos o destino que quer construir, com movimento, com luta, com coragem de protestar.

(Este post será publicado amanhã, em minha coluna impressa do Jornal A União).

Ter, Ter, Ter…

Tem coisas que eu não preciso ter. Descobri que gosto de não ter. Não preciso ter, em tese. Tenho na nuvem. É assim. Tenho muitos cds que dificilmente ouço. Tirar da caixa, ligar o player, tocar. Minhas mãos vivem a inércia/ocupação  de estar clicando, sobrevoando. Encontro meus cds na nuvem, coloco pra tocar, uma playlist, num que eu busquei, sem rótulo, sem caixa, só o nome o intérprete, e bum, Francis Hime, Chico Buarque, tocando aqui na telinha!

A Política e os seus Movimentos

Prenunciam-se os próximos movimentos da política brasileira, que em alguns casos, serão lentos e cuidadosos, em outros, acelerados e com intensa cobertura midiática.

O movimento principal, refere-se ao fim do governo Temer. Caíram por terra, todas as fábulas habilidosamente gestadas desde março passado. Ruiu a fábula juridicamente construída num powerpoint, de que Lula era o chefe da quadrilha de corruptores do dinheiro público brasileiro; ruiu a fábula de que não se deu um golpe parlamentar, jurídico midiático no país; finalmente, desmantelou-se a fábula de que o presidente Temer faria um Brasil novo, com a sua famosa ponte para o futuro, reequilibrando as contas públicas e recolocando novamente o país nos trilhos do capital internacional.

Esse primeiro movimento, do fim do governo Temer, será lento, contará com proteção midiática e com inúmeros eventos de blindagem. O governo acabou, mas pode ser que Temer persista agarrado ao mandato, por artifícios os mais variados, por muito tempo ainda. Segurar-se-á nos privilégios e benesses que o cargo oferece, e poderá tomar medidas importantes, como a reforma e a mudança para o alvorada, e a formidável volta, às arrecuas, para o palácio do Jaburu, sem que na mídia se promova qualquer levante importante.

Para não falarmos de reformas mais definitivas, como a Pec do fim do mundo e a reforma da previdência,

Já o segundo movimento da política, diz respeito às eleições de 2018, e a possível participação do ex-presidente Lula como candidato. Prosseguirá, na mídia, no judiciário e no parlamento, o brutal desgaste da personalidade do político, mesmo que as investigações não tenham ainda topado com provas importantes que possam levar ao seu encarceramento e futuro julgamento.

O terceiro e decisivo movimento da política, apoiado pela mídia, pelo judiciário e parte do parlamento, diz respeito ao PSDB, que aliado à Eduardo Cunha, forjou o golpe, apoiou o plano Michel e agora vem ocupando postos importantes no governo, enquanto se dá curso à sua primeira cartada, o pedido de cassação da chapa Dilma Temer.

Nas democracias, seria lícito que o perdedor aceitasse os resultados, como bem disse o ex-presidente Obama, nas últimas eleições dos Estados Unidos. O candidato do PSDB, assim como seus apoiadores, chegaram a comemorar a vitória em 2014. A comemoração durou pouco tempo. A candidatura Dilma reagiu e ela foi eleita com três milhões de votos a mais.

A inconformidade de Aécio Neves trouxe o país até aqui. Quem sabe os líderes do seu partido possam agora embarcar no poder, como já está ocorrendo, sem um voto sequer que lhes dê lastro.

(Este post foi publicado ontem, em minha coluna impressa do Jornal  #AUniao)