As Coisas do Arco do Velho

O velho Temer não tem medidas para a implementação do seu projeto de recuo do país a um estado anterior ao tempo em que ele ainda era jovem, a pobreza e a desigualdade só cabiam em discursos de alguns religiosos progressistas, a política era realizada por senhores oligarcas, negociantes de café, de ouro, e da agropecuária.

O estado brasileiro na era Temer, vai ficar tão pequeno, ao ponto de caber num fusca. O apequenamento começa com a chamada “Pec do fim do mundo”, congelando os gastos primários por vinte anos, e prossegue com avidez nos processos de privatização, nos cortes brutais dos orçamentos da saúde, da educação, da ciência e tecnologia.

No país do velho Temer, a reforma trabalhista só tem a retórica de que é uma legislação moderna. Dissolvem-se as estruturas clássicas de proteção dos trabalhadores, é bem verdade, mas  eles, num passe de mágica, convertem-se em vendedores de horas. Os horalistas, transitando de empresa em empresa, ofertando horas de fim de semana em quiosques ou postos voláteis de trabalho, porque a chamada indústria nacional também deixará de existir, subsumida em grandes fusões mundiais do capital global.

Não têm medida, as coisas do arco do velho. Extinção da cultura, desmantelamento das políticas públicas de comunicação, facilitação da prática do trabalho escravo, essa terrível praga que por tanto tempo empestou a América Latina, e que no Brasil, demorou muito mais do que em qualquer lugar para ser abolida.

Com a boca cheia de mesóclises, avança sobre os planos de saúde dos mais velhos, permite os aumentos de gás de cozinha e combustíveis, extingue as farmácias poulares e corta medicamentos de alto custo para doenças raras.

Como um velho trem desgovernado, o país segue em marcha ré, aos arrancos, recuando a um tempo em que a política se fazia à base do compadrio, doapadrinhamento, da constituição de um grupelho minoritário orbitando em torno de privilégios, troca de favores, subordinação da maquinaria do estado aos seus interesses.

De vice presidente decorativo a desmantelador da república, o velho Temer demonstra uma coragem inflexível para fazer o que tem de ser feito. Pouco lhe importam os menos de três por cento de popularidade, aferrado ao seu posto de destruidor de um projeto de Brasil democrático,  vai manejando as forças que o apoiam, vai torcendo a manivela do tempo, para trás, sempre para trás, na reconquista de um país antigo, subordinado ao capital estrangeiro, entregando suas comodities à exploração mundial.

No país velho onde Temer governa, não cabem as descobertas científicas do beneficiamento de urânio, ou a participação da física paraibana no experimento do século: A captação da explosão entre duas estrelas de newtron, ocorrida há mais de cento e trinta milhões de anos e que somente agora pôde ser observada.

No velho país onde Temer governa, o arco estreita-se sempre para trás, enquanto ele e a sua força de apoio comemoram seus feitos em jantares palacianos, entregando à população um cinismo sem medidas.

Salve-se quem apanhar Primeiro o Pomo de Ouro

Você olha para o facebook, e se depara com posts à procura da criança que cada um deve carregar dentro de si. Nada contra as pílulas encapsuladas em frases que tentam despertar a alegria, mas eu não consigo abrir a caixa das palavras mágicas, e sei que a varinha de condão, que as estórias de fada incutiram tão bem em nossas cabeças, a varinha de condão hoje, não passa de um jeito de falar, de interpretar a lei, de arrebanhar os seus, sob o manto da justiça, e cuidar da sua salvação.

Eu nunca me esqueço da estória antiga, que minha irmã Maria me contava na hora de dormir. Minha irmã não conseguiu aprender a ler e escrever. Passava o dia todo cuidando das lides da casa da nossa família grande, e de noite, com um riso bom no rosto manso, deitava minha cabeça no colo e me contava a estória do castelo belo belo.

A menina andava à procura de uma chave que abrisse o castelo belo belo, mas, no seu caminho, só havia monstros, o de uma cabeça, de duas, de três… Eu dormia sempre nesse ponto da estória, e assim nunca cheguei à casa do último monstro, com suas sete cabeças torpes. O castelo belo belo persistia intocado, fechado dentro do meu sono.

Não há estória de fada que nos haja preparado para o mundo em que agora vivemos. A grande partida na qual estamosenvolvidos, não se assemelha em nada com o fantástico campeonato de quadribol, no qual os jogadores empenham-se para apanhar primeiro o pomo de ouro.

Na nossa história, o pomo de ouro já foi apanhado, e ainda que a tv, o rádio, os jornais e a cibesfera nos digam para corrermos atrás dele, o pomo de ouro está bem guardado nas pregas do manto da justiça, e só é empregado em ocasiões muito especiais, para salvar do rigor punitivo, os eleitos da sua corte.

O pomo de ouro nem é tão bonito assim. Dependendo da ocasião, ele pode ser um intrincado de palavras difíceis, um discurso enviesado e vago, mas que tem o condão de abrir portas e mudar uma realidade,  torcer a chave da lei e abrir as asas da liberdade sobre as cabeças dos seus protegidos. Abracadabra? Pocos pocos salamocos? Na nossa história, cabem muito mais coisas nessas palavras, do que sonha nossa vã inocência.

O castelo belo belo existe de verdade, mas a sua chave é guardada por monstros normais, de uma cabeça apenas, com dentes excelentes e propósitos torpes. A mesma chave que abre o castelo belo belo, abre e lacra malas cheias de dinheiro.

O castelo belo belo não é tão belo assim. Nele, os passos ecoam à noite, na direção do porão, ali onde se decidem as coisas grandes da república, na certeza de que o pomo de ouro está bem guardado sob as pregas do manto da justiça, um suspiro de alívio agitando a fumaça dos charutos, porque sabem que na hora certa, o pomo de ouro será usado com maestria para que tudo fique assim, na ordem e na lei.

Peço perdão à Maria, peço perdão à infância, peço perdão à criança que ainda vai crescer, os monstros estão todos juntos, no primeiro castelo, guardam muito bem o pomo de ouro, e não há o “viveram felizes para sempre”. Só existe o próximo minuto dramático de cada dia, só existe a terrível máquina ceifadeira do futuro, só existe o primeiro monstro, com seu riso mal e sua habilidade, preparando a próxima manchete trágica para o jornal da noite.

 

(Este post será publicado amanhã, em minha coluna impressa do #JOrnalAUnião).

 

 

Chegou a Hora!

Chegou a hora em que mulheres de todo o país vão falar da sua escrita, da sua literatura, vão encher nossa #Jampa de palavras, no #MulherioDasLetras! Mais que isso, chegou a hora de apresentar #TiaLila ao mundo, à cidade de Jampa, aos leitores que arriscam perseguir meus delírios!

 

O lançamento será no sábado, 14, a partir das 18h, e já tou com aquele frio na barriga. O que dizer sobre esse ensaio de romance? É uma brincadeira. Um nano-romance, cujos capítulos mais longos não chegam a dez linhas.

Uma estória de ficção científica, cheia de improváveis acontecimentos! E mais não conto.

 

Você pode ler o livro em ebook ou em papel, se preferi. Dê uma conferida em

 

https://www.editoracrv.com.br/produtos/detalhes/32320-tia-lila

 

Se quiser, vá conferir ao vivo sábado, no lançamento do #MulherioDasLetras!

Luiz Carlos Cancellier de Olivo: Sob o Reinado da Injustiça

Era uma vez um mundo governado pela justiça. Sentada à sombra de uma árvore frondosa, a justiça disciplinava as leis, julgava os delitos grandes e pequenos, formulava sentenças perfeitas e corretas, mediante testemunhos e provas, refletia e sopesava em sua balança, a validade dos indícios, recusava as maledicências e os mexericos, nunca se permitia uma conclusão apressada, ou um veredicto pouco convincente.

Nesse mundo regido pela justiça, pouca ou nenhuma importância era dada ao estardalhaço, a fama advinda de algum caso em que o julgado era celebridade, tanto assim que a justiça dedicava preocupação e interesse em igual proporção, desde ao caso mais simples, ao mais rumoroso.

Constituía-se espetáculo de rara beleza e de profundo aprendizado, o momento em que a justiça tinha de aplicar a pena. A sua dosimetria nunca ultrapassava os limites do razoável, e, com sua mão hábil em medir proporções, com a serenidade e a brandura do seu espírito, ela infundia ao mesmo tempo nessa dosimetria, medidas exatas de efeito punitivo, combinadas com medidas de efeito ressocializador e de crescimento e recuperação das condições de humanidade.

É assim que naquele mundo, sabia-se, como líquido e certo, por anos e anos de um firme reinado, que a justiça sempre estaria ali, acima de tudo e de todos, garantindo a lei, preservando o bem-viver, mediando os conflitos, julgando com determinação, coragem e pertinência, todos os pequenos dilemas daquele mundo.

Naquele mundo em que a mão firme da justiça repousava tranquila sobre as folhas da lei, palavras como ódio, intolerância, desrespeito, sempre que ameaçavam ganhar corpo em algum comportamento, eram enxotadas como se fossem moscas indesejadas. Naquele mundo, os processos tinham começo, meio e fim. Tinham arrazoados fortes, e a justiça fazia questão de somente dar seu veredicto final, tendo diante de si, todas as provas perfiladas.

Naquele mundo, por confiarem cegamente na justiça, os réus muitas vezes antecipavam-se e confessavam seus crimes.  Pediam perdão, determinando eles mesmos, em sintonia com o olhar firme da justiça, as medidas da sua punição.

Mas eis que um dia, sorrateiramente, a injustiça, irmã gêmea da justiça que vivia no estrangeiro chegou com malas e bagagens, e armou seu quartel naquele reino tranquilo. Ardilosa, aproximou-se da justiça e ofereceu-lhe ajuda nos processos. A injustiça sabia manejar as palavras, e, com mão ligeira, foi disseminando no trabalho da justiça, pequenas doses de intolerância, pequenos desvios que permitiam convicções em vez de provas, e sobretudo, sob a pecha de dar transparência aos processos, obrigou a justiça a aliar-se à mídia, que com estardalhaço e espetacularização, passou a cobrir todos os processos daquele mundo.

Célere, a injustiça usurpou o trono da irmã e passou a governar. Agora, em doses maciças, impingia ódio, medo, desconfiança e intolerância entre os súditos. Preocupada, a justiça tentava dialogar com a irmã, mas, autoritária, batendo na sua nova e bela mesa com mão firme, apontava a pilha dos processos resolvidos a partir dos indícios e das convicções e retomava com novo vigor, a sanha da perseguição e da maledicência, tudo com apoio da grande mídia.

Horrorizada, um dia a justiça viu um dos seus súditos mais corretos cair nas mãos da injustiça e ser julgado pela sua nova lei de exceção. Com pavor, viu aquele home simples e nobre apoiar-se na balaustrada do último andar do belo shopping da cidade. Tapou olhos e ouvidos, mas a morte do homem furou-lhe os tímpanos e esvaiu de si, toda a vida que possuía.

 

(Este post será publicado amanhã, em minha coluna impressa do Jornal A União)